Ele bateu a porta, deixando para trás 20 anos de vida em comum, 10 anos de prestações da casa própria ainda não pagas, muitas brigas, muitos sonhos e, principalmente, o amor da sua vida.
"Não tem volta!", pensou, "desta vez, não tem volta!".
Descobrira recentemente o caso de sua mulher. Não sabia se teria sido o primeiro. Já durava dois anos. Depois de um tempo de romance escondido, ela passou a lhe deixar pistas. Fazia de tudo para que ele descobrisse sua "pulada de cerca".
Ele, que havia meses já tinha percebido a mudança de comportamento de sua mulher, fazia que não via. "Ah, mas está bom assim. Ela mudou, se arruma mais, sai mais com as amigas, não me enche o saco e não me cobra mais aquele sexo banal de fim de semana. Ah, pra quê eu vou procurar saber o porquê. Está ótimo. Posso continuar aqui com o meu jornal".
Era isso que a torturava. Se sentia traída pela falta de interesse dele.
De repente, tudo ficou demais. Agora ela estava iluminada. Ria alto. Mudou o cabelo, emagreceu, fazia ginástica, yoga, pilates, com o maior afinco. Deu um jeito na carreira, arrumou novos amigos, saía para 'happy hours', vivia viajando. Ele havia sido relegado a um segundo plano bastante dolorido. "Não que eu me importe", pensava ele quando ela saía.
Ela já não falava mais com ele quando entrava em casa, não perguntava mais o que ele queria comer enquanto preparava o jantar e havia cismado em deixar a fatura do cartão de crédito aberta em cima da mesa... sempre!
Um dia, ele resolveu investigar onde ela gastava seu dinheiro. Começara a comprar numas lojas diferentes, lojas de homem, coisas que ele não vira pela casa, nem eram pra ele. Desconfiou, muito. Perguntada algumas vezes sobre aquilo, ela mudou de assunto, inventou descuplas rotas, saiu pela tangente. Mentiu de um jeito estranho, como que se não quisesse mentir.
Ele então sentiu falta de sua raquete de tênis, sa sua bola de voley, de tempos em tempos parecia que algo saía a passear com ela. Ela viajava a trabalho, mas levava maiô, chapeu de palha, chinelo e muitas, muitas roupas informais.
Um sábado de manhã, enquanto tomava seu uísque e esperava pelo almoço de família, assisitiu impávido a ela colocar um CD do Chico para tocar e sair cantarolando...
"...Te perdôo
Por contares minhas horas
Nas minhas demoras por aí
Te perdôo
Te perdôo por que choras, quando eu choro de rir
Te perdôo por te trair..."
"Aí, não". Catou o CD do Chico, mudou de roupa e saiu. "O Chico, não. Aí, não tem volta".
Música do dia: Mil perdões - Chico Buarque