Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.
Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
sábado, agosto 26, 2006
Proteção
No rosto da boneca de porcelana,
ela vê um olhar parado, sem expressão.
Presenciou tantos horrores, tanta tortura,
mas não tem memória!
Os olhos azuis de rímel borrado
não confessam tristezas pelo
visto nos campos de concentração.
Com o tempo, o rosto rosado
da porcelana perdeu a cor.
No braço, traz marcado o número
de sua dona, que também teve o mesmo
número marcado em seu braço.
Sobrevivera à vida nos campos.
"Como?", perguntava-se a menininha,
"Como vovó sobreviveu?"
Ganhou da avó judia a boneca de porcelana
e ouviu muitas histórias.
Aos poucos, à medida que foi crescendo,
passou a compreender a dimensão do que
sua avó dizia, o significado do número
gravado no braço de sua boneca.
O horror vivido naquela época
ficou no passado.
Vovó contava as histórias com poesia
e lirismo, enquanto tomavam o chá da tarde,
procurando amenizar para sua netinha o que
tinha vivido.
Não escondia dela, porém, o que viu:
o ódio dos homens cruéis.
Mas, em suas histórias, ressaltava a
coragem de uma sobrevivente.
E a menininha cresceu, lado a lado,
com sua companheira de porcelana.
Cabelos emaranhados de tanto penteá-los,
olhos azuis de rímel borrado e
muita fé no coração.
ela vê um olhar parado, sem expressão.
Presenciou tantos horrores, tanta tortura,
mas não tem memória!
Os olhos azuis de rímel borrado
não confessam tristezas pelo
visto nos campos de concentração.
Com o tempo, o rosto rosado
da porcelana perdeu a cor.
No braço, traz marcado o número
de sua dona, que também teve o mesmo
número marcado em seu braço.
Sobrevivera à vida nos campos.
"Como?", perguntava-se a menininha,
"Como vovó sobreviveu?"
Ganhou da avó judia a boneca de porcelana
e ouviu muitas histórias.
Aos poucos, à medida que foi crescendo,
passou a compreender a dimensão do que
sua avó dizia, o significado do número
gravado no braço de sua boneca.
O horror vivido naquela época
ficou no passado.
Vovó contava as histórias com poesia
e lirismo, enquanto tomavam o chá da tarde,
procurando amenizar para sua netinha o que
tinha vivido.
Não escondia dela, porém, o que viu:
o ódio dos homens cruéis.
Mas, em suas histórias, ressaltava a
coragem de uma sobrevivente.
E a menininha cresceu, lado a lado,
com sua companheira de porcelana.
Cabelos emaranhados de tanto penteá-los,
olhos azuis de rímel borrado e
muita fé no coração.
O nada
Sou aquela que não é.
Não existo.
Sou o nada,
pois nada represento.
Tenho um corpo, uma mente,
uma alma.
Meu espírito viaja por
planícies e planaltos
desse mundo terreno.
Mesmo assim,
não me veêm.
Sou aquela que não
precisa de ajuda, que
não pede um carinho,
um alento.
Sou aquela para quem
ninguém telefona para
perguntar se está tudo bem.
E quando alguém telefona,
sempre pensa que aguento
tudo. Mas, não aguento
quase nada.
Sou fraca, sou pequena,
mas me faço forte,
onipotente,
onipresente.
Sou aquela que Deus fez bambu
e sei que vou vergar a vida inteira,
sem quebrar.
O que me prende, o que me amarra,
é este conhecimento maldito
que trago comigo.
Quanto mais aprendo,
menos espaço tenho.
Queria, só por um dia,
a ignorância.
Não existo.
Sou o nada,
pois nada represento.
Tenho um corpo, uma mente,
uma alma.
Meu espírito viaja por
planícies e planaltos
desse mundo terreno.
Mesmo assim,
não me veêm.
Sou aquela que não
precisa de ajuda, que
não pede um carinho,
um alento.
Sou aquela para quem
ninguém telefona para
perguntar se está tudo bem.
E quando alguém telefona,
sempre pensa que aguento
tudo. Mas, não aguento
quase nada.
Sou fraca, sou pequena,
mas me faço forte,
onipotente,
onipresente.
Sou aquela que Deus fez bambu
e sei que vou vergar a vida inteira,
sem quebrar.
O que me prende, o que me amarra,
é este conhecimento maldito
que trago comigo.
Quanto mais aprendo,
menos espaço tenho.
Queria, só por um dia,
a ignorância.
Assinar:
Postagens (Atom)