sábado, agosto 26, 2006

Proteção

No rosto da boneca de porcelana,
ela vê um olhar parado, sem expressão.
Presenciou tantos horrores, tanta tortura,
mas não tem memória!

Os olhos azuis de rímel borrado
não confessam tristezas pelo
visto nos campos de concentração.
Com o tempo, o rosto rosado
da porcelana perdeu a cor.

No braço, traz marcado o número
de sua dona, que também teve o mesmo
número marcado em seu braço.
Sobrevivera à vida nos campos.

"Como?", perguntava-se a menininha,
"Como vovó sobreviveu?"

Ganhou da avó judia a boneca de porcelana
e ouviu muitas histórias.
Aos poucos, à medida que foi crescendo,
passou a compreender a dimensão do que
sua avó dizia, o significado do número
gravado no braço de sua boneca.

O horror vivido naquela época
ficou no passado.
Vovó contava as histórias com poesia
e lirismo, enquanto tomavam o chá da tarde,
procurando amenizar para sua netinha o que
tinha vivido.

Não escondia dela, porém, o que viu:
o ódio dos homens cruéis.
Mas, em suas histórias, ressaltava a
coragem de uma sobrevivente.

E a menininha cresceu, lado a lado,
com sua companheira de porcelana.
Cabelos emaranhados de tanto penteá-los,
olhos azuis de rímel borrado e
muita fé no coração.

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