segunda-feira, setembro 23, 2013

Utilidade e reinvenção


 

Em 2011, vivi uma crise. Negando-me a integrar uma nova equipe, fui posta de lado. Na minha empresa, isso é comum. Chama-se "geladeira". Vivi uma crise de utilidade. De repente, não tinha mais nenhuma, para nada mais servia. Uma cabeça pensante, pulsante, intensa, louca para trabalhar, produzir, não era mais envolvida em nenhum projeto. De um ano para o outro, deixei de conduzir um monte de iniciativas para não ter o que fazer.

Foi duríssimo.

A medida que eu ia perdendo essa utilidade, deixando de ter serventia, mudavam as pessoas com relação a mim. Paravam de enxergar, como num transe coletivo, que um dia eu tinha feito muito, que eu era uma máquina, e eu fui ficando invisível. Os meus pares não mais entravam no elevador comigo, com medo de que daquela "doença da inutilidade" os contaminassem. Paravam de me consultar, de querer ouvir minha opinião. Um ou outro se mantiveram fiéis a mim, não sei bem porquê.



Manter-se em queda livre de cabeça erguida só é possível quando se sabe que, no fundo do poço, há uma cama de molas para te impulsionar para cima com a mesma intensidade. Mas, tem-se que preparar os joelhos enquanto se cai. E o pescoço.



Dois anos passados desde aquela época, estou de volta a ativa, de volta ao meu momento útil. O tempo nos ensina muito, assim como os grandes escritores e os livros que caem nas nossas mãos. Lendo o "Variações sobre o prazer", do querido professor Rubem Alves, já mencionado aqui neste blog em alguns momentos, descobri que Santo Agostinho já se preocupava com o antagonismo entre a Utilidade e a Fruição. Diz Alves que...

"... quando uma coisa é utilizada para obter outra, diz-se que ela é útil.  Na Feira de Utilidades, não há lugar para coisas inúteis. Tudo nela se justifica pela utilidade. Sem ser capaz de realizar uma obra para o qual foi criado, o objeto não mais se justifica. É jogado fora: uma lâmpada queimada, uma caneta esferográfica usada, um pneu que se gastou não merecem ser guardados. O mesmo se aplica às pessoas. As pessoas que perderam sua utilidade não mais se justificam numa sociedade utilitária. Ficaram obsoletas. Deixaram de poder ser utilizadas como ferramentas. Essa é a razão da crise de identidade das pessoas em nossa sociedade: ou elas perderam a utilidade ou provavelmente perderão a utilidade. (pag. 102)"

Como eu sei bem a dor de ser taxada de inútil, tenho certa compaixão por aqueles que agora se encontram na mesma situação. Trato-os com um certo carinho, mais ainda do que eu tinha antes, quando os tempos eram outros, por saber que eles terão um triste destino, os mais velhos, serão forçados a sair, se aposentar, buscar outros caminhos, como se todo o conhecimento que eles acumularam ao longo da vida não tivessem mais valor. É como se as empresas só quisessem agora contar com os meninos de fralda, recém saídos das escolas de MBA e Engenharia! É como se a experiência não contasse mais...



E como não existe acaso neste mundo, estou lendo no livro de Thomas Davenport sobre Judgment, "As melhores decisões são as mais difíceis", o caso sobre a escassez de talentos enfrentada pela McKinsey, uma das grandes empresas de consultoria do mundo, e eles abordam a dificuldade em conciliar a formação com a experiência necessária a uma boa atuação neste segmento, o da consultoria.



Enfim, o alerta que me fica é que temos que nos reinventar constantemente. Sempre. Porque de um dia pro outro, aquilo em que acreditávamos como a maior das verdades, deixa de ser importante. E só nos sobra frustração. Então, já que somos tratados como coisas, temos que pensar como a curva S dos produtos, como se rapidamente inovações surgissem e nos levassem a substituição, o que nos pressupõe atenção para os grandes saltos disruptivos.



E você, o que anda fazendo para se reinventar? Só para você se lembrar do que tem aí dentro, veja isso!



Sociedade dos Poetas Mortos, 1989

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