domingo, outubro 08, 2006

Paulo que ama Roberto que ama Ana que ama Ricardo que ama Bárbara que ama...

I

A preparação para sair de casa parecia a de um soldado que vai para a guerra. Era apenas uma jovem mulher que saía sozinha para fazer jogging ao redor da belíssima Lagoa Rodrigo de Freitas. Já que ela não tinha como ter uma trupe de seguranças guardando suas costas, achava melhor preparar-se para as surpresas inerentes a uma cidade sem lei.

Desde a escolha do tênis que ia calçar (confortável, porém muito discreto), ao bolso de sua roupa onde iria esconder seu iPod e como camuflar os fios de seus fones de ouvido (por dentro da camiseta), ela parecia pensar em tudo. A regra básica era parecer muito simples para não chamar atenção. Brincos e outras jóias iam ficar em casa, mas o relógio, este era peça fundamental, pois ela tinha que cronometrar a corrida e avaliar seu desempenho.

Começava sempre sua corrida pelo Parque dos Patins, onde podia deixar o carro, em direção a Ipanema. Estava se condicionando para dar o máximo de si em uma hora de corrida. Como este tempo ainda não era suficiente para que desse a volta na Lagoa, ela costumava correr 30 minutos e voltar para o ponto de partida pelo mesmo caminho. A música ajudava a marcar o ritmo. Seu único esforço era para se controlar e não cantarolar as músicas e ficar sem fôlego.

Naquele dia, havia feito tudo como de costume e, de manhã bem cedo, já estava no Parque dos Patins fazendo seus 20 minutos de alongamento. Ana era esguia, magra, seca e dava muita importância ao alongamento. Puxava bem as palmas das mãos, o pescoço para um lado, para o outro, enroscava os dedos e esticava os braços... Enfim, fazia mais de 36 combinações de movimentos de forma a trabalhar as articulações e músculos dos braços, das pernas, das costas, do pescoço e da cabeça.

II

Roberto sentia por Ana uma espécie de amor platônico havia quase dois anos. Considerava isso quase uma doença, algo crítico, principalmente quando acomete a homens maduros, que já viveram bastante e que sabem o que esperar da vida. Gostava tanto de gostar dela que já não fazia questão de estabelecer um relacionamento duradouro com qualquer outra mulher. Não que elas não aparecessem em sua vida, mas eram sempre encontros breves e passageiros.

Conheceu Ana numa manhã de domingo no outono enquanto comprava uma água de coco num quiosque no Parque dos Patins. Ficou encantado por ela, por seu jeito, por seu cheiro de alfazema, por seu modo gentil de falar. Até hoje, não sabe seu nome. No entanto, já acompanha a rotina de Ana há tanto tempo que já sabe exatamente a hora de sair de casa para vê-la correndo. Ela vem todos os dias, ele não sabe de onde, de que bairro. Usa um rabo de cavalo, farto, que faz contraponto com seu corpo esguio, magro e tem sempre ao seu lado um cachorro bem grande, que ajuda a amedontrar os ladrões que circulam pelas redondezas a caça de mulheres e crianças indefesas.

Roberto pensa todos os dias em uma forma de falar com Ana, de descobrir um pouco mais sobre ela, de torna-la real, de tira-la do pedestal em que a colocou, de deixar de fantasia-la em sua vida. Ana nem imagina que desperta em um homem como Roberto tanta adoração.

III

Paulo há muito já notou o Roberto diariamente freqüentando o Parque dos Patins. Gosta dele, é um cara bastante simpático. Sempre arruma uma forma de puxar assunto. É apenas um vendedor de cocos e água gelada, mas é um cara culto, instruído, que o destino colocou ali por uma destas manobras que a gente nem sabe como aconteceu. Perdeu o emprego, mas não perdeu a força.

Sabe que Roberto não é um desportista, que freqüenta a Lagoa por outras razões. Ele até se esforça, corre um pouquinho, pega sol, caminha, mas não é a “praia” dele. Paulo pode até não ter sacado ainda qual o motivo que leva Roberto a Lagoa no mesmo horário todos os dias, mas sabe que gosta de encontrar com ele.

Há muito está sozinho e procura um novo companheiro, mas anda temendo pelas maldades cometidas aos homossexuais nesta cidade hipócrita. Os ladrões já inventaram muitas formas de limpa-los, de deixa-los de mãos vazias depois de uma noitada, pois sabem o quanto se arriscam. Paulo tem preferido adotar uma outra estratégia, de conhecer bem o cara primeiro para depois tentar um salto em queda livre. Será que Roberto é um bom companheiro, se pergunta?

IV

Ana não sabe muito bem de onde tirou forças para começar a exercitar-se. Era uma pessoa bastante sedentária enquanto esteve casada com Ricardo, mas teve que mudar radicalmente depois que ele a deixou por Bárbara, sua subordinada.

Foi tudo tão de repente, o casamento parecia estar bem. Sem filhos, sem nada, sobrou o cachorro, um Golden Retrivier. Um bom companheiro, já um pouco velho, dez anos, chamado Bento.

Bento tem sido como um fiel escudeiro, que se deita ao pé de sua cama todos os dias e parece velar seu sono, mesmo quando ela passa as noites em claro pensando no tamanho do fracasso que foi o final de seu casamento.

Hoje ela não se acha mais atraente, acha que nunca mais vai conseguir conquistar um homem, que homem nenhum vai olhar para ela. Só lhe restam os exercícios físicos, cuidar da vida social, sair com os amigos, fazer de seu apartamento um belo refúgio e ter um hobbie, o que só percebeu a importância depois de ficar sozinha.

Está cogitando seriamente fazer dança de salão, mas ainda não encontrou alguém que queira ser seu par.

V

Roberto pensa em Ana todos os dias. Em como ela está, se está bem, onde é que ela mora, se está sozinha...parece que sim. Pensa em como ela seria a mulher ideal para ele, três casamentos desfeitos, três filhos, do primeiro e do segundo, o terceiro não gerou filhos, só amolação.

Ele gosta de casar, gosta de estar junto. Não gosta de viver sozinho. Já pensou em convidar seus filhos para morar com ele, mas sempre acaba achando que não é uma boa idéia, já que é uma pessoa bom coração demais, mole demais, sempre acaba deixando que eles façam o que querem...

Na hora em que começa a se arrumar para ver Ana, seu coração acelera, ele sua frio, fica nervoso, como pode?

Mas, hoje, tem uma reunião, não poderá ir a Lagoa...

VI

Será que o Roberto vem hoje?, pergunta-se Paulo. Já está escurecendo e nada dele. De pessoas conhecidas, só vi aquela moça do boné, iPod e cachorro. Simpática ela. É..., amanhã tem mais.

VII

Escurece. Amanhece. Os dias passam. A roda da fortuna gira. Quem dará o primeiro passo?

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