Como se
pudesse haver programado alguma coisa para o futuro, abriu o envelope que havia
enviado para ela mesma há cinco anos atrás e que se perdeu no caminho, e pôde
notar que uma certa melancolia invadiu o ar.
Todos
aqueles sentimentos guardados ao longo daquele tempo retornaram, com uma força inexplicável.
Era como se ela estivesse novamente no meio daquele turbilhão de emoções e,
principalmente, como se não soubesse novamente como lidar com elas.
Mas, ela
sabia, há muito tempo que sabia. Tinha aberto uma gaveta nas profundezas da
alma e escondido aquilo tudo, como se possuísse uma "caixa de Pandora"
interna. Todo mundo tem uma. É melhor para
todo mundo que eu faça isso, ela pensou. Assim, manteve intacto o
sentimento, há muito tempo fora da pauta das conversas semanais com a sua
analista.
Tinha
aprendido a lidar com a inveja, o ciúme, a solidão, a saudade, e todo um
conjunto de sentimentos que ela preferia dispensar, e que nunca sonhou sentir
com tamanha intensidade. Pusera uma máscara de mulher feliz e limitou-se a
falar muito pouco, de trabalho e amenidades, principalmente, para que ninguém,
jamais, em tempo algum, pudesse suspeitar dos sentimentos dela. Ainda mais,
quando percebeu que alguns deles não eram nada nobres.
Sabia que
não era bacana querer a vida dele. Ou melhor, querer a vida que a mulher dele
tinha com ele. Como se isso fosse possível. Amor é coisa de pele, paixão é
coisa de química. As pessoas não são assim tão facilmente substituíveis. Elas
são o que são, e o que significam para nós. Tomar o lugar da mulher dele não
seria tarefa fácil. Ainda mais que eles não tinham problemas. O que ele tinha
era excesso de safadeza, vontade inexorável de se provar gostoso o tempo todo,
necessidade de cortejar e seduzir. Só pelo prazer do jogo. E a boba tinha caído
nesta sua lábia feito pata.
Saber disso
também era algo que doía. No início, foi bom. Fez bem pro ego. Ela mudou seu
jeito e jogou o jogo. Depois, percebendo que a relação não teria nenhum futuro,
foi deixando de lado o que sentia, e substituindo aquela vontade de estar com
ele por uma raiva sem tamanho. Do medo de deixar de existir na cabeça dele, ela
passou a ter raiva por ser mais uma.
E agora
estava ali, diante do envelope no qual havia sepultado toda uma gama de
sentimentos que afloravam, e que ela só queria manter guardados em sua “caixa
de Pandora”. Teve medo, sentiu raiva, e depois fez o que vinha fazendo há
tempos: deu dez passos para trás. Olhou a situação como uma expectadora. Deixou
todas as expectativas e os sentimentos ruins pelo caminho e viu o caso com
outro olhar. Tinha assim tanta importância? Não. Havia ficado no passado, como
todo o resto. Com o tempo, a forma de olhar para ele também ficou. Descobriu
que a grama do vizinho não era assim tão verde, e que aquela vida perfeita não
era assim tão perfeita. Colocou o homem que a cortejava em seu devido lugar e
foi viver a sua vida. Aprendeu a se priorizar, sobre todas as coisas e pessoas,
e entendeu como isso podia fazê-la tão mais feliz.
E descobriu
que a felicidade é simples, com ou sem “caixas de Pandora” para esconder as coisas...
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