terça-feira, junho 20, 2006

Mais uma vez, Rebecca...

I

A lua já estava alta. Céu escuro, estrelado, um silêncio enorme tornava todos os sentimentos mais intensos.

Ao longe, ouvia-se grilos, cigarras e o bater das asas dos morcegos. Eram os seres da noite insistindo em romper o silêncio que aprofundava a vida.

Na beira do lago, me sentia vidrada no espelho d'água. Os olhos não desgrudavam das bolhas, das pequenas ondas que se formavam (com frequência) do nada.

O lago me chamava, me chamava, me chamava...

Já era inverno e eu estranhava as cigarras, tão amigas do calor, anunciando diariamente as alvoradas de sol.

O frio do inverno pedia roupas quentes e tirá-las era realmente um ato de coragem.

Eu sabia bem o que sentira da última vez que tentara vencer o lago: frio, dores, cãibras nas pernas e pés. Depois, tivera um pouco de nojo ao pisar o lodo do fundo do lago, terreno mole e escorregadio.

Mas o lago estava lá, majestoso, me chamando.

Despi-me de minhas roupas, casacos, meias, gorros, écharpes, luvas, tudo! Nua, despi-me também do meu pudor, da minha vergonha. Com a ponta do dedo do pé toquei a água do lago, a fria água do lago.

Era hora de atrever-me, de atirar-me com a coragem que o lago gelado pedia. Eu queria a liberdade que o banho me traria. Um mergulho, uma só sensação de prazer intenso.

Meus cachos vermelhos se libertaram com o movimento das águas, minhas mãos amoleceram ao seu toque, meu corpo flutuou como se sem gravidade estivesse. Tudo ali era sem gravidade. Era suave, macio e reluzia no reflexo da luz solar refletida na Lua.

Ali só havia eu. Ali, mais ninguém tinha importância.

Sentia-me como que no ventre de minha mãe. Como se estivesse nadando - privilegiada - no ventre da mãe Natureza. Sentia o contato com peixes que habitavam o lago. Estava tão livre que nem lembrava da minha nudez.

II

Não supunha, nem esperava, que aparecesse alguém por ali. Mais alguém naquele ambiente era anti-natural.

Imaginava estar tão perto de Deus que comecei a mentalizar uma conversa. Recordei fatos marcantes da minha vida, lembrei-me de outras belas paisagens, de viagens, dos lugares por onde andei, dos amigos que fiz. Perguntei a Ele porque tinha sido tão bom comigo. Por que tantas graças? Por que tanta força?

De repente, senti uma presença tão forte, tão grande... ouvi uma voz doce e macia, um som, uma música... Era como se a voz e água do lago fossem uma só entidade. Senti-me como vivendo um milagre. A luz da Lua se misturou a luz daquela entidade e a noite clareou sobre a minha cabeça.

Momento mágico e belo, senti-me abençoada, como seu tivesse ganho mais chances, mais força, mais vida.


III

Sem noção do tempo em que fiquei flutuando no lago, e sem me dar conta da madrugada que caía, deixei o conforto da água e coloquei a roupa. E segui a trilha de volta para a casa, ansiosa por uma xícara de chocolate quente.

De súbito, um empurrão, a queda, um golpe certeiro.

IV

(...)
O parto foi tranquilo. A menina nasceu calma, pouco choro, cabelos de fogo, cacheados. Os pais estão felizes. Seu nome é Rebecca. Às vezes, à noite, ao invés de chorar, ela ri (de prazer, talvez), como se lembrasse de experiências vividas em outras vidas. Gosta muito de água. Sua avó diz que ela é abençoada. Amém.

Um comentário:

Rebecca Leão disse...

Esta é uma história de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.