quarta-feira, julho 08, 2009

O vento e a busca pelo auto-conhecimento

Com a porta da varanda aberta, está formado o corredor de vento e, com ele, a confusão. Invade a casa com força, lançando jornais e outros papéis ao chão, virando porta-retratos, balançando quadros, marcando as paredes.

Ao anoitecer, enquanto busca a si mesma, apaga as luzes e acende algumas velas, como se conseguisse (se) ver melhor na penumbra. O vento está lá, insistindo em lembrá-la da sua força e tornando o tremular das chamas um elemento a mais na sua busca por auto-conhecimento.

Anda pela casa descalça, sentindo o assoalho de madeira, vestida com uma longa e bordada camisola branca. Em uma das mãos, segura um castiçal de prata, presente de casamento, com um toco aceso de vela. Com a outra, tateia os móveis, sentindo os espaços e se permitindo aguçar os demais sentidos além da visão.

De repente, ela está escutando mais, sentindo todos os odores perfeitamente, percebendo texturas que até então lhe foram desconhecidas. Ela sente um misto de estranhamento e angústia pelas mudanças internas que está sofrendo, sem saber muito bem como tudo começou, nem quem (qual - o quê) foi o disparador desta transformação.

No tremular das cortinas, sente um pouco de medo e percebe que para fazer esportes radicais é preciso preparo... muito mais psicológico, do que físico. Mergulhar no precipício do seu eu-interior, naquele buraco escuro onde ela tratou de esconder as emoções mais complexas, aquelas que ela nunca soube tratar, muito menos como exprimir, poderia mesmo causar algum incomodo, principalmente ao fazer esta viagem sozinha. Saber-se humana e digna de cometer erros, daqueles que marcam e deixam um amargor na boca, e saber que o único caminho possível é o do perdão (e se perdoar não é fácil, que dirá pedir perdão a si mesma), a tem tornado mais forte, mas segura, mais serena, menos covarde.

As palavras que lhe vêm a boca neste momento, e que ela não consegue dizer, são fortes, sinceras, verdadeiras. Somente o caminho da verdade pode trazer alguma chance para a felicidade, ela pensa. No escuro, ela pensa nos companheiros de jornada, que não estão ali agora, mas que, de algum modo, têm sido importantes para ela. Ela reconhece seus sentimentos, sabe o que está acontecendo, mas pede que o vento a ajude, e leve tudo isso embora, solte por aí em algum beco qualquer, perca seus pensamentos num pé de redemoinho e a faça leve, capaz de voar, de olhos fechados, com as mãos e os braços abertos para a vida, e que a torne pronta para o que a vida lhe trouxer.

De olhos fechados, ela ainda sente o perfume. O perfume da casa é o perfume dela. Ela gosta. Do amadeirado ao cheiro de almíscar, do perfume fresco que ela passa no corpo, ela gosta de tudo. Tudo que é memória, tudo que é história, tudo que um dia foi seu. E o vento está lá, resfriando corpos, bagunçando a casa... bagunçando os pensamentos dela. Reorganizando a vida.

2 comentários:

Luis Paulo disse...

Os ventos normalmente têm nome. Y dirección.
É saber porque identifica mais. E eles se tornam cúmplices, aliados, adversários, companheiros... conforme vêm e vão. Ajudam a arejar a casa.
Gostei do texto. Beijos.

cotrimus disse...

nada como uma surpresa...
situações previsíveis não provoca reações, nos nos tira do eixo.
impossível crescer sem sair do eixo.
bjsss