Os personagens
Ela – trinta e poucos anos, casada, carreira em ascensão, sem filhos, do signo de gêmeos
Ele – dez anos a mais que ela, recém separado, carreira estagnada, uma filha adolescente, do signo de capricórnio
[Hora do almoço no hall]
Ela acabara de ultrapassar a roleta em direção à saída do prédio. Já passava das 13 horas e ela ainda ia almoçar com mais três amigos. De repente, ela o viu entrando. Suado e com os cabelos molhados e desalinhados, ele parecia haver corrido uma meia maratona. Enfrentar o centro da cidade na hora do almoço, sol à pino, era mesmo tarefa para heróis.
Ele também a viu. Quando os olhos deles se cruzaram, ambos abriram-se em sorrisos largos e francos, porém nervosos, quase que instantaneamente. Seu sorriso é o que há de mais bonito nela, ele pensou. Com esse sorriso, sou capaz de largar a família, foi a vez dela sonhar acordada.
Ele piscou para ela, dando a entender que estava feliz em vê-la. Ela respondeu, apenas movendo os lábios, num abrir e fechar que dizia: “Quero falar com você hoje”. Não havia voz naquela fala, talvez como forma de manter a conversa só entre eles, no meio daquela gente toda. Ele entendeu e assentiu, compreendendo sua discrição. Agiam como se não houvesse mais ninguém ao seu redor, sem perceber que muitos prestavam atenção neles. O amor é mesmo fogo que arde sem se ver...
Ela venceu, então, a porta de saída e foi absorvida pela onda de calor que emanava do asfalto e das calçadas. Ainda estava inebriada com a visão daquele homem. Agia como uma atriz que não sabia muito bem qual era o seu papel, nem qual o perfil de seu personagem: ora uma “balzaquiana romântica”; ora uma mulher doida, capaz de fazer qualquer coisa para estar com aquele homem por quem havia se apaixonado, quando eles ainda eram casados. Lá ia ela caminhando distraída, alheia aos amigos, perdida num julgamento no qual era ré e juíza.
[O almoço no restaurante]
Os três amigos que a acompanhavam no almoço pouco perguntaram sobre o episódio, apesar de haverem presenciado toda a cena. Alguns se detiveram a falar sobre alguns poucos detalhes, baixinho entre si; outros chegaram a sentir o que ela sentiu, praticamente na mesma freqüência acelerada do coração prestes a sair pela boca e do sangue a esquentar descontroladamente.
Enquanto comiam, pouco se falaram, esboçando apenas algumas opiniões sobre assuntos de trabalho, decisões mal tomadas, algo sobre o futebol do final de semana, sabendo de antemão que ela estava presente à mesa, mas, em espírito, estava muito longe.
Olhando para ela, podiam ver seus olhos vidrados num infinito distante que a impedia de participar da conversa com a empolgação que lhe era peculiar. Sabiam que ela estava vendo e revendo a tal cena naquele outro plano, alheia ao que se passava entre eles.
Na volta, um deles, o mais íntimo, arriscou perguntar um “o que foi aquilo no hall do prédio?” para o qual ela não respondeu. Ela simplesmente sequer o ouviu.
[À tarde no escritório dela]
Pensar naquele homem era a maior tortura mental, algo com o que ela não sabia como lidar. Pior do que vê-lo, era ainda enfrentar o seu sorriso e o seu olhar de desejo. Já se iam meses desde que aquilo começara, e ela ainda não conseguia encarar seus sentimentos de frente.
Trabalhar depois daquele breve episódio no hall ia ser, com certeza, a tarefa mais árdua do mundo. O que ela queria ali, naquele momento, era vê-lo de novo. Tentou desmarcar as reuniões que estavam agendadas para aquele período, livrou-se de uma. Na outra, fez um esforço danado para manter-se atenta a tudo que estava sendo discutido e decidido, mas perdeu um ou outro acordo feito.
Ao retornar a sua mesa, duas ligações perdidas no celular. Dele.
[À tarde no escritório dele]
Há muito tempo ele não se sentia tão inseguro na presença de uma mulher. Foram 20 anos de casamento, 10 deles sentindo-se um morto-vivo, alguém de quem a vida se esqueceu, sem prazer, sem tesão, sem amor. Após o divórcio, além de cultivar uma tremenda ojeriza à sua ex-mulher, havia se envolvido com algumas mulheres: às vezes, só para exercitar seu poder de sedução e sentir-se em forma; noutras, para sentir-se vivo, pura e simplesmente.
Mas, com ela, tudo parecia diferente. Era intenso e bonito, porque parecia verdadeiro. Era verdadeiro, ele sabia que era. Era um pouco daquela sensação pela qual ele vinha ansiando, desde que o mundo começou a desmoronar a sua volta. Só que ele já não acreditava na possibilidade de aquilo se concretizar. Quase como um adolescente, ele não conseguia falar o que queria daquela mulher, para aquela mulher. Será que ela também se sente insegura ou está só brincando comigo?
Eu preciso dizer a ela o quanto eu gosto de vê-la, o quanto eu a quero perto de mim... que ela dê adeus ao seu casamento, mande seu marido às favas..., ele pensou. Buscou seu número no celular, chamou por ela, mas nada, entrou na caixa postal. Não vou deixar recado, tento de novo mais tarde.
Meia hora, 2 cafezinhos, 1 copo d’água e um papo bobo com o colega do lado depois, ele tentou de novo. Nada. Mas que almoço demorado! Onde será que ela foi?, ele sentia uma estranheza por não conseguir controlar a situação. Pela primeira vez era assim.
O chefe chamou para uma reunião de emergência. Ele sabia que esse final de dia ia ser difícil. Muito difícil.
[Na sala do chefe dele]
- Você sabe que eu tenho reparado muito no seu trabalho, e identifiquei em você a pessoa certa para aproveitar uma excelente oportunidade. Trabalhar no exterior, que tal? Acho que você vai gostar, proferiu o chefe.
Ele, que estava esperando por esta proposta há muito tempo, ficou sem jeito de responder, pensando no tanto que ainda queria falar com ela. Ele esboçou uma resposta para o chefe, quando, de repente, seu celular tocou... era ela.
- Oi, pode falar? Você me ligou?, ela perguntou.
- Sim, mas agora estou numa reunião. Posso te ligar depois?, ele disse.
- Pode, mas não deixa para amanhã. Quero te ver hoje ainda.
O chefe falou dos detalhes da viagem, disse quando ele partiria, do que ficaria responsável e o quanto teria que abdicar de sua vida pessoal pelo trabalho, mas lembrou que seria por uma boa causa. Depois de duas horas discutindo os detalhes do trabalho, saiu e foi direto para o corredor.
[O telefonema]
- Oi, sou eu. Você está livre agora?, ele perguntou.
- Mesmo se não estivesse... posso te encontrar em 45 minutos. Você me espera?
- Espero, ele respondeu, te espero naquele café que costumamos ir. Pode ser?
- Pode, daqui a pouco estou indo pra lá.
[No café]
- Oi, até que enfim você chegou. Estava ansioso. Senta, tenho uma coisa para te contar.
- O que é? Assim você me deixa nervosa. Fala logo.
- Eu vou ser expatriado. Viajo no final do mês para procurar um apartamento. Tenho dois meses para resolver tudo e me instalar lá.
Ela ficou muda de tão decepcionada. Adorava ele. Adorava estar com ele. Não queria que ele fosse embora. Não agora.
- Que bom pra você, fico feliz..., ela disse, disfarsando a decepção.
- Você vai dar um jeito de vir comigo, não vai? Nem que seja por um tempo. Três meses, que tal? Temos que pensar em alguma coisa...
- Eu? Com você? Como? Com que justificativa eu ficaria com você três meses?
E se enchendo de coragem, ele disse: - Ah, não sei, pensa em alguma coisa, um trabalho, seu chefe. Pensa. Você não quer...?
De repente, sem pensar nas consequências dos seus atos, ela se aproximou dele, passou o braço por sobre o seu ombro e o abraçou forte. Roçou seu rosto no rosto dele, nariz com nariz, e ele se virou a ponto de encará-la bem de pertinho, a boca quase colada na dela, respirando junto... e ele repetiu: Você não quer?
Ela quis, e com um beijo quente, apaixonado, sedento dele, ela disse que queria, que ia pensar em alguma coisa. E sem se dar conta do tempo, sem ligar para o celular ou para o relógio da parede, amanheceram juntos e ali souberam que não mais seriam o que foram até então.
[O (re)começo]
A grande virada se deu numa noite de outono, na lua cheia de junho, sob os lençóis de um quarto de hotel no centro da cidade. Ela largou tudo, deu um jeito na vida, no trabalho, mudou hábitos, tornou-se outra.
E juntos, já viveram em vários países, com a paixão de sempre, o carinho de sempre, e a urgência dos grandes amantes.
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* Essa história é para aqueles que acreditam que o amor existe e que nunca é tarde para começar de novo. Mesmo que ela não seja verdade.
5 comentários:
I believe!!!!
O amor existe e recomeços são possíveis
Mas...
Clarisse B.
Engraçado!
Algumas partes dessa história me parecem baseadas em fatos reais. Mas o final está um pouco diferente.
Com o tempo, Paulo, uma história vira só uma história e daí a gente pode fazer o final dela do jeito que a gente quiser. Ele pode ser até feliz... bjs
Existe sim, baby.
Não acredito que dure 'para sempre' mas que existe, existe...e que vale sempre a pena mudar tudo e se permitir vivê-lo, sempre vale!
Adorei a história!
bjs
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