sábado, junho 05, 2010

O Largo da Carioca

Todos os dias, praticamente, eu ponho os meus pézinhos no Largo da Carioca. Tem dias que eu passo ali apressada e nem tenho tempo de apreciar a paisagem. Mas, é lógico, que a gente nota coisas bacanas no Largo: a Igreja de Santo Antônio, os jardins de Burle Marx aos pés do prédio do BNDES, as árvores floridas, a diversidade de seres humanos que por ali circulam etc.

Mas, não só de coisas boas é feito o Largo. Também há muita coisa ruim pra se notar. O pior é que não é preciso muito tempo para perceber as misérias do mundo que insistem em passar na nossa cara, basta olhar um pouquinho pros lados. É a banca de jornal que vende CDs de música piratas, são os vendedores de software pirata, são os camelôs, que brigam por espaço como as p... de Copacabana brigam por um ponto na Avenida Atlântica, é o lixo, o esgoto, a montoeira de pombos que ficam empoleirados na principal árvore do Largo e que, qualquer dia, vão acertar a sua cabeça com um jato de escremento... e você, com certeza, vai se perguntar: "Por que eu?"

Eu resolvi escrever sobre o Largo por dois motivos. Há uma propaganda na tv que mostra o Largo de uma perspectiva bastante particular - e todo mundo que me acompanha sabe que eu adoro propagandas, adoro reparar nelas. Eu tenho que confessar que não adorei a propaganda em questão (da Aquarius Fresh), apenas notei que com os ângulos corretos, é possível esconder todas as mazelas do mundo.



O que aparece aí na propaganda não é - definitivamente - o Largo da Carioca que eu conheço.

Outro dia, fomos almoçar num restaurante da Gonçalves dias, depois da rua do Ouvidor. Uma das pessoas que estavam conosco não comeu muito e resolveu levar o que sobrou de seu prato para dar para algum mendigo esfomeado. Ao chegarmos no Largo da Carioca, vimos o que parecia ser uma família num canto, num dos bancos. Tratava-se de uma mulher, um homem e duas crianças bem pequenas. A minha amiga se dirigiu a eles com a quentinha na mão - uma posta de bacalhau. Vi quando o homem se virou para a mulher e disse: "Olha, ela vai te dar comida".


A mulher se virou para a minha amiga e viu a quentinha. Quando a minha amiga estava bem próxima deles, a mulher virou o rosto na direção contrária e estendeu as mãos para segurar a quentinha. Não disse nem um "obrigada". A minha amiga pousou a quentinha em suas mãos. A mulher imediatamente entregou a quentinha para o homem, que a abriu e começou a comer com as mãos, sozinho. Sob o olhar "esfomeado" da mulher e das duas crianças, que o observavam e não ousavam a pegar um pouco da comida, aquela cena era como uma família de leões... primeiro o leão, depois, o que sobrar da carniça para os demais... horrível!

Eu até podia ter continuado a observar aquela bizarrarice, mas fui interrompida, de repente, por um garoto de uns dez, onze anos, completamente enlouquecido por cola, ou qualquer coisa muito forte, que veio da minha direção, falando uma língua incompreensível, a língua da droga, e que me deixou alerta para não perder a bolsa...

Esse é o Largo da Carioca que não aparece na tv, nem nas propagandas, nem nas transmissões do telejornal. É tudo muito bonito, mas esconde uma realidade que as autoridades insistem em não ver, porque dá trabalho tratar. E, se a gente está se preparando para receber uma multidão de turistas, por que não começar pelo centro da cidade, ainda tão abandonado? Por que não instalar placas que realmente expliquem as coisas?

Vimos um grupo de turistas perdidos no Largo da Carioca, há uma semana atrás, que buscava desesperadamente localizar a rua da Confeitaria Colombo. Tão simples chegar lá, né? Mas, só para quem sabe... nós até tentamos explicar para eles, mas, vimos que eram alemães e eles queriam se guiar por um mapa que não era o melhor dos mapas... Por que não temos placas indicando esses lugares famosos? Por que não há uma indicação para o Teatro Municipal, por exemplo?

Quando é que vamos acordar pra vida e deixar de pintar a realidade com as cores de uma lente de ultra definição, como as da tv Globo?

Um comentário:

Letícia disse...

No meu último conto – não publicado no blog – matei a personagem no Lgo da Carioca.

Bem carioca, não?