quarta-feira, junho 02, 2010

Por um pouco mais de coerência no trabalho

Eu juro que não queria roubar a idéia da minha amiga Flor de Lótus e escrever um blog sobre a esquizofrenia que assola o mundo corporativo. Mas, o quê que eu posso fazer se, duma hora pra outra, todos os assuntos que me aparecem dizem respeito a isso? Ela mesmo me dizia que tinha assunto à beça quando estava lá comigo, na mesma neurose. Agora, já em outra empresa, custa a postar ("é tudo tão normal").

Pois bem, a neura agora diz respeito a um contrato com terceiros. Os gestores tentam provar, por A+B, que têm razão em relação ao tal contrato. E no tal contrato, existe uma cláusula que diz que os terceirizados têm que trabalhar 220 horas por mês, ou seja, 8 horas e 48 minutos por dia. Tem gente que simplesmente não consegue. A gente vê as pessoas se esforçando, mas elas não conseguem. Quando começaram, só precisavam trabalhar oito horas por dia. Isso tinha sido acordado com elas. As horas extras eram esporádicas, e todo mundo organizou a sua vida neste sentido. Agora mudou a regra do jogo. Tenho visto as meninas cortarem um dobrado para conseguir deixar filho na escola, organizar a casa, pegar filho na escola, e fazer todo o resto (aulas de idiomas, ginástica etc) com esse "novo" horário. Quem não conseguir se adequar, que procure outra coisa pra fazer, outro lugar pra trabalhar. É como diz a minha mãe, nessas horas paga o justo pelo não-justo.

Mas, o que me incomoda é o seguinte: a mesma empresa que oferece prestadores de serviço nas áreas de manutenção do prédio e faxina, é a fornecedora dos trabalhadores do conhecimento que nos assessoram nos nossos projetos. Por isso, as tais 220 horas, porque os trabalhadores "braçais" trabalham aos sábados pela manhã. Já os que estão diretamente conosco nos projetos, fazem o mesmo horário que fazemos, isto é, o horário do escritório. E nem precisava mais, pois somos trabalhadores do conhecimento. Creio que somos auto-gerenciáveis na maior parte do tempo. Quando temos que trabalhar mais, trabalhamos; quando temos que fazer hora-extra, fazemos, e ninguém precisa pedir.

Ou seja, se estivéssemos adotando as práticas das empresas de ponta, estaríamos preocupados com a produção das pessoas, e não com o tempo que elas passam no escritório. Eu vejo que o meu chefe até fica incomodado com esta situação, mas volta-e-meia ele diz que são ordens superiores, que o recomendado é que quem não se adequar seja dispensado, e ele acha melhor esperar a poeira baixar.

Só que, em tempos de teletrabalho, uma época em que as pessoas podem fazer o seu horário, e trabalhar no período em que se sentem mais produtivas, fica quase inviável prender as pobres criaturas sem alma no pé da mesa, trancar a baia e só permitir a saída depois que as 8 horas e os 48 minutos diários sejam cumpridos.

Estive recentemente numa conferência nos EUA e conheci o gerente de logística da Boeing, um cara muito bacana. Ele disse que tinha resolvido reformar a casa dele, apliando jardins, construindo um novo andar, mudando o encanamento, enfim, fazendo uma obra grande. E que, para isso, tinha feito umas contas e percebido que estava gastando muito dinheiro tendo que ir ao escritório todos os dias. Então, chegou a um acordo com a direção da Boeing que o levou a trabalhae em casa três dias por semana, usando todos os recursos disponíveis atualmente no mercado.

As reuniões, ele fazia através de Skype ou qualquer outra tecnologia de comunicação e informação. E-mail e blackberry (bb) eram usados o tempo todo. Ele até me apresentou a um termo que eu desconhecia: crackberry, que é o viciado no bb (coitado, ele já estava virando um!).

E é por isso que essa coisa toda me deixa tão desconfortável. Se as pessoas estão estudando novas tendências, elaborando relatórios, lendo e corrigindo documentos, redigindo textos e procedimentos, por que elas não podem fazer isso de qualquer lugar? Por que não endereçar a questão para o ponto correto? Se não existe encomenda bem feita, aí você tem que se preocupar com o horário e não com a produção.
Já que a participação das pessoas em reuniões é pontual, a agenda pode ser previamente elaborada e as pessoas podem se organizar para estar no escritório naqueles momentos... Isso não vale só para os terceirizados, não. Vale para os empregados da empresa também. Se eu sou mais produtiva num canto silencioso como a biblioteca, por que eu tenho que estar na minha mesa atendendo a telefone, quando eu preciso estar concentrada e produzindo? Se eu preciso de espaço para espalhar os meus livros, buscar referências, consultar diversos autores, por que que esse locus criativo não pode ser a mesa da minha casa e o meu notebook conectado a empresa? Será que não existe uma outra maneira de aferir produtividade e desempenho?

Às vezes, sinto que o meu dia se esvai respondendo a e-mails com solicitações que chegam de todos os lados... e me sentir produtiva que é bom, neca! Eu sei que isso é tudo muito muderno para uma empresa com práticas tão conservadoras, mas será que já não era hora de começar a se reinventar?

2 comentários:

Cacau disse...

Assino embaixo!

Anônimo disse...

Pois é, Rebecca...
Parece que ao mesmo tempo que avançamos, retrocedemos em alguns pontos. Há tantos pontos contraditórios nas organizações!
Sem contar que exige-se cada vez mais e em contrapartida, a qualidade de vida, mesmo que constantemente citada, vai por água abaixo.
Adorei o inteligente texto.
BjO*