terça-feira, janeiro 24, 2012

Feridas e cicatrizes


Lembro-me do dia em que, sentada à mesa do jantar, provoquei um corte profundo na primeira falange do dedo médio, próximo à unha, que me rendeu uma cicatriz que tenho até hoje. Tinha dez anos. O sangue demorou a estancar, mas não levei pontos.


E de quando ainda mais menina, abri o queixo ao cair sobre o tapete do quarto de meus pais, num salto mal calculado sobre a perna de meu pai. Também não levei pontos. O tempo e um bom esparadrapo colaram aquele lábio extra no rosto, quase não deixou marca. Minha mãe tinha razão, que brincadeira infame.


Lembro-me do dia em que caí do balanço e ralei as costas, na altura das lombares. Por anos, tive ali uma pele mais áspera a me lembrar da travessura.


Eu tinha era muita coragem. Me ralava toda, mas não deixava de brincar.


As primeiras vezes a me equilibrar na bicicleta “de adulto”, aro 20, também me renderam marcas. Estava no prédio dos meus primos, e o bando de meninos que ali viviam resolveu me mostrar que eu tinha que saber como dominar a magrela. Ainda hoje, tenho a marca na perna da ralada contra o muro na altura do joelho, por causa de uma imprensada deles. “Não doeu”, eu disse com o sangue escorrendo na perna, mas olhando firme no fundo dos olhos deles.


Desde sempre foi assim.


A poucos, eu me mostrei sem esse orgulho todo, por inteiro. Na maioria das vezes, o tamanho das feridas e das cicatrizes só viu quem eu amei muito.


Quando pequena, deixava para chorar em casa. Tudo excedia a menina magra e frágil, mas o choro, eu deixava para a solidão da minha cama e o calor do meu travesseiro. Acho que é por isso que eu ainda gosto tanto dele.


A menina foi crescendo e, por vezes, não conseguiu deixar para chorar em casa. Teve sorte de ter encontrado em seu caminho alguns bons anjos da guarda.


Sofri, ri e, no final, já adulta, tive certeza que as maiores cicatrizes não são as físicas, mesmo aquelas tratadas na base da costura, sem anestesia, como o corte que levei na cabeça provocado por um tombo dentro de casa e um acerto em cheio na chave da porta do armário.


As maiores cicatrizes são aquelas provocadas pelas peças que o destino nos prega, pelas frustrações do caminho, pelo excesso de expectativa que colocamos nas pessoas, pela incapacidade que temos em “dar, sem querer nada em troca”. Não fosse esse um dos maiores desafios da vida terrena!!!


As maiores feridas não fecham. Passa o tempo e elas estão lá, latejando, pulsando junto com o coração (aliás, não é ele que está ferido?). Não há abraço que aplaque essa dor, nem cuidado de mãe, a oferecer band-aid e merthiolate, com direito a sopro no final.


A cura para essas feridas tem que vir de dentro de nós, o remédio está aqui, em algum lugar. O tempo é um bom enfermeiro, mas somente a vida é capaz de nos ensinar a viver com elas.

6 comentários:

Anônimo disse...

Concordo contigo, mts feridas de fato não cicatrizam nunca, mas são elas que nos fazem lembrar do quanto fomos corajosos em tentar, mesmo quando nos arrebentamos todo.São elas tbm que nos fazem ter cautela pra não arriscar demais na vida... Gostaria eu de ter mts mais que tenho, afinal gostaria de ter feito inúmeras coisas que deixassem marcas permanentes... Fato! vc me faz pensar na vida... =D

Grande abraço.

Anônimo disse...

Ah! acho que vai rir, mas todas as fotos que coloca, eu imagino ser vc, rs, (mesmo a moça de cabelo curto)até nas paisagens procuro vc, sempre tem tudo a ver... engraçado né... n aceita esse comentário n =)

Periodista disse...

Alguns mártires e santos são lembrados por suas chagas e cicatrizes, sinais de uma vida devotada a uma boa causa.
Nossas marcas, embora nem sempre sejam assim, também resultam daquilo que fizemos e, via de regra, tivemos a ousadia de fazer.
Felizes marcas. Doces cicatrizes.
Tantas vezes exibi com orgulho cicatrizes e marcas, resultado de aventuras vividas.
Infelizmente, temos feridas ainda abertas, fruto daquilo que não tivemos coragem de levar adiante.
Coisas da vida...

Letícia disse...

Impressionante como somos duras na queda em inúmeras situações, mas em outras muito mais simples desabamos. Acho que tem a ver com o que ou quem nos provoca o ferimento. Infelizmente.

Beijo.

Rebecca Leão disse...

É, Letícia, o pior é que você tem razão! Tem a ver com quem nos provoca a dor! Bjs

Rebecca Leão disse...

Periodista, a pior marca é a dos arrependimentos por aquilo que não fizemos! Concordo contigo! Tem muito "eu te amo" preso na minha garganta! Por isso, sempre que posso, eu digo... doa a quem doer! Abraço!