sábado, dezembro 16, 2006

Por que às vezes não é sempre?

Por que às vezes não é sempre?
Por que nunca mais não é até já?
Por que teu nome arde em minha boca?
Por que eu calo ao te encontrar?
Por que eu falo tudo quando você não quer ouvir?
Por que amanhã não chega daqui a pouco?
Por que eu sofro de saudades?
Por que dói quando você não está?
Por que?
Por que?
Por que teu nome não é sempre?
Por que o amanhã é quase nunca?
Por que às vezes eu sofro tanto?
Por que eu morro um pouco ao me calar?
Por que a saudade dói no corpo?
Por que minha boca arde quando eu te falo?
Por que?
Por que?
Por que eu fico sem resposta?
Por que essa vontade não passa?
Por que?
Por que?

sábado, dezembro 02, 2006

Que falta você me faz...

CARTA IV

Querida Rebecca,

Ah! Que falta que você me faz!

É tão estranho este sentimento...mas, percebo que, desde que constatamos a nossa impossibilidade em ter filhos, temos nos distanciado a cada dia. Sei que você desejou demais a nossa filha e que eu devia ter sido mais dedicado a este projeto, mas ele nunca foi um projeto meu... foi muito mais um projeto seu.

Sempre me senti incapaz de ter filhos e achava que não seria um bom pai. Tomei alguns pressupostos como verdades e fiquei morrendo de medo que, com o tempo, eu fosse deixado em segundo plano: você passaria a se dedicar mais e mais às crianças e esqueceria de mim. No fundo, no fundo, eu reconheço: sempre fui um cara muito carente, um tolo, que se realizou ao encontrar uma mulher dedicada e cuidadosa como você era. Talvez eu estivesse procurando por uma mãe, mais do que a uma amante. Fui egoísta demais em não perceber que tudo que você queria era realizar um sonho de menina e não abri mão da minha vontade para não perder a sua atenção.

Hoje, estamos nós, aqui, distantes um do outro, mas vivendo juntos... eu já nem sei mais porquê. Fazemos planos, mas são todos de curto prazo...eu não vejo mais em você aquela vontade de querer envelhecer ao meu lado.

Penso muito em adotarmos uma menina, do jeitinho que você queria. Não sei se conseguiremos, nem se isso vai servir para nos reaproximar. Sei apenas que eu queria muito tentar te reconquistar, porque eu preciso muito de você.

Ah! Que falta que você me faz. Tanta saudade, tanta vontade de ficar com você, de te amar, de te beijar e te abraçar na nossa cama, como fazíamos quando estávamos apaixonados! Tanta vontade de sentir você enrolada em mim, aninhada como uma gatinha... Só por hoje, tudo o que eu queria nesta vida era ficar um pouquinho com você...

Beijos,

Teu Marcelo

rio de janeiro, 02 de dezembro de 2005.
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CARTA III

Querido Pedro,

Ah! Que falta que você me faz!

Já se vão dois anos desde que a gente se separou. Era mesmo muito difícil conseguir ficar com você, sabendo que você pensava tanto naquela sua ex-namorada, a Rebecca. Só eu sei como eu sofri em ter que deixá-lo por não conseguir se mais interessante e mais forte do que aquele fantasma.

Durante muito tempo, odiei esta mulher com todas as minhas forças. Ficava me imaginando vendo a tal Rebecca na minha frente, tal qual você a descrevia: alta, poderosa, ruiva, cheia de si, muito consciente do que quer e do que não quer e capaz de tê-los nas mãos depois de tanto tempo. Pensava no que faria se a encontrasse, em como diria a ela o mal que ela ainda era capaz de causar a você... Pedi muito a Deus que tirasse de dentro de mim aqueles pensamentos ruins que eu sentia em relação a ela, visto que, para mim, ela era a causa da minha infelicidade.

Eu sei, eu sei, vocês resolveram se separar em comum acordo, não foi uma decisão isolada. Ela não teve culpa. Mas, é de difícil de acreditar que um cara tão bem sucedido, tão dono da verdade, tão senhor de si ainda fique tanto tempo de quatro sonhando com uma mesma mulher, com a vida paralisada. Fico me perguntando se isso é que é o amor verdadeiro ou é uma obsessão.

Mas, de fato, a grande incompetente fui eu, que superestimei a Rebecca e me dei muito pouco valor. E quem não se valoriza, não pode ser mesmo valorizada pelos outros. Sinto muito a sua falta até hoje, sinto saudades do seu cheiro em meus lençóis, do amor que fazíamos (mesmo quando você parecia um pouco ausente) e dos nossos cafés nas manhãs de domingo na confeitaria da esquina da minha rua. Até hoje, quando passo por lá, me vejo com você, bebendo café com leite e comendo pão-doce. Teimo em não acreditar que o que sinto por você me faz o mesmo mal que o que você sentia pela Rebecca...mas, acho que no fundo, somos idênticos: gostamos de amar o impossível...

Ah! Que falta que você me faz. Tanta saudade, tanta vontade de beijar e te abraçar! Tanta vontade de sentir você aqui... Só por hoje, eu juro, eu dava tudo nesta vida para estar um pouquinho com você...

Beijos,

Sônia

rio de janeiro, 02 de dezembro de 1998.

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CARTA II

Querida Giulia,

Ah! Que falta que você me faz!

Como sinto saudades de você. Do seu rostinho que eu imaginei. Das suas perninhas gordinhas, cheias de dobrinhas, dos seus bracinhos terminando em mãozinhas suaves e pequeninas, do seu corpinho rechonchudo...Dos seus cabelinhos finos, cheios de cachinhos, do seu sorriso e da sua risada solta, solta...

Imaginei você me invadindo, sendo gerada em meu ventre, sendo criada em minha casa, no aconchego de um lar, acolhida, feliz...crescendo e se desenvolvendo com alegria, aprendendo todos os dias uma coisa nova...

Foram tantas as noites - incontáveis - em que sonhei tê-la em meus braços, amamentá-la, tocá-la com carinho... imaginei sua boca em meus mamilos, me sugando com força, buscando energia nesta sua mãe... me imaginei te amamentando, te fazendo forte, te dando saúde...

Sonhei com o dia em que você sentou pela primeira vez, com o dia em que você começou a engatinhar, com o dia em que você andou sozinha, equilibrando-se nas suas perninhas frágeis, e com o dia em que você disse pela primeira vez: "mama"...

Sonhei com esta alegria toda, com esta vibração, com as asinhas da minha anjinha junto à mim...sonhei em pintar seu quarto, acompanhando as transformações do meu corpo, e depois em ver seu pai te olhando, te ninando, todo babão!

Ah! Que falta que você me faz. Tanta saudade desta filha que eu ainda não tive! Tanta vontade de ver você aqui...Ainda hoje, eu dava tudo nesta vida para ter um pouquinho de você...

Beijos,

Sua "mama" Rebecca

rio de janeiro, 02 de dezembro de 2004.

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CARTA I

Querida Rebecca,

Ah! Que falta que você me faz!

Outro dia, passou por mim uma pessoa que usava o seu perfume...ele me invadiu por inteiro, envolveu-me a alma, resgatou você daquele limbo na minha memória onde eu tinha te escondido...

Senti uma espécie de febre, um calor pelo corpo, que eu só sentia quando estava com você. Assustei-me ao perceber que esta sensação, que eu julgava esquecida, camuflada nos esconderijos do meu inconsciente, ressurgiu em mim com tanta força, com tanta intensidade!

Com o cheiro do perfume, veio também a memória das curvas do seu rosto, do seu corpo, dos seus cabelos macios, do tom da sua voz, da cor da sua pele, do toque da sua mão, do calor do seu abraço...

Juro que eu fiquei me perguntando: "Por que foi mesmo que a gente se separou?"

Hoje, eu nem me lembro mais. Não sei se a gente deixou de se amar. Ou se nós deixamos de ter os mesmos objetivos, se passamos a pensar diferente, ou se simplesmente acordamos num dia qualquer sem que nos reconhecéssemos...

Foi uma pena ter perdido este amor. Depois de você, nenhuma outra mulher me fêz tão feliz. Sofri com as incontáveis comparações que fiz, com o que almejei e não consegui, porque queria você ao meu lado e você não estava mais aqui. Sofri como se me faltasse ar...

Ah, que falta que você me faz! Ainda hoje, tudo que eu queria na vida era mais um pouquinho de você...

Saudades,

Pedro

rio de janeiro, 02 de dezembro de 1996.

domingo, novembro 19, 2006

O troco

I

Ele apertou o botão que destravava o segredo do carro, abriu a porta e entrou abruptamente, com pressa. Ela vinha logo atrás e, olhando aquela cena, chegou a desconfiar que ele não fosse esperar por ela. Ao contrário, ele ficou ali, parado, olhando para a chave do carro, esperando ela entrar. Assim que ela entrou no carro e fechou a porta, ele se virou para ela e disse:

- Olha, vamos parar, ‘tá legal?! Eu não quero mais discutir com você! Chega! Está discussão não vai nos levar a lugar algum!

Ela mordeu os lábios e, por segundos, ficou avaliando se valia à pena continuar argumentando com ele. Depois, desistiu. A viagem era relativamente longa, eles iam levar aproximadamente uma hora e trinta minutos para chegar em casa e o clima entre eles não podia estar pior.

- Você sempre arruma um jeito de complicar as coisas! Sempre! Eu te disse que não queria me aborrecer neste passeio! Eu só concordei em vir com você porque me prometeu que ia controlar este seu ciúme doentio. Correu tudo bem, encontramos seus amigos de infância, vimos um monte de gente que eu mal conheço e eu me comportei, não me comportei? Fui simpático com as pessoas, não fui? Você preferia o quê, que eu me isolasse e passasse o encontro inteiro fingindo estar entediado? Só assim eu iria te agradar...

Ela permaneceu calada. No fundo, ele tinha razão. Estava começando a ficar difícil gerenciar a situação. Não argumentou. Não sabia mais como lidar com aquele homem... Ele era lindo, sedutor, encantador...O cara mais bacana da festa...Sempre gentil...Com ela e com todas as mulheres do planeta! Não se sentia culpada por ter explodido, mas também estava cansada de estar sob a sombra daquele homem. Ela que o desejava tanto...Na sua cabeça, ele era um personagem..E o tempo todo ela passava a se perguntar como um homem tão bonito tinha escolhido para sua mulher uma pessoa tão normal, tão comum.

- Você disse que ia se comportar... (blá blá blá).

Ela não ouviu mais nada, nenhuma palavra do que ele dizia. Ficava se perguntando porque o comportamento dela o incomodava tanto e o dele não podia incomodá-la. Chegava a pensar que era pelo favor que ele fazia de estar com ela. Talvez esse fosse um assunto para discutir com o terapeuta. O fato de que ela era insegura demais e os fatos recentes só demonstravam isso e pioravam a situação entre eles.

Ele falou por mais de meia hora. Quando percebeu que era em vão, que ela havia desligado e não o estava ouvindo, calou-se também. Ficaram os dois em silêncio, ouvindo o rádio:

“I don’t mind spending everyday out on your corner in the pouring rain, looking for the girl with the broken smile, ask her if she wants to stay awhile, and she will be loved...”

De repente, ela se virou para ele e disse:

- Eu te amo, meu amor! ‘Tá?

Ele se sentiu meio que desmontado. Num primeiro momento, sorriu com o canto esquerdo da boca. Depois, foi se sentindo mais descontraído até que começou a gargalhar. Ela riu com ele daquela situação. Por que estavam mesmo brigando?

II

Ele sabia que agia como um Don Juan, era viciado nisso. Não deixava passar um rabo de saia sem um comentário, um elogio. Até que ela havia sido bastante tolerante por todos esses anos. Mas, de um tempo para cá, começou a explodir em ciúmes. Parecia estar perdendo a confiança nele. O que estaria causando aquela transformação?

Depois da gargalhada, ele voltou a ficar em silêncio, pensando qual a causa de tanta insegurança por parte de sua mulher. Afinal, ele não estava fazendo nada que fosse diferente do que sempre fizera: continuava tratando as mulheres como se fossem amantes potenciais. Mas, nunca avançava o sinal.

A Maria Luíza, a sua Malú, era uma mulher de beleza mediana, possuía um olhar bem forte, cabelos negros, e tinha um corpo bem interessante, daqueles que transbordam exuberância. Mas, não era de se enfeitar muito. Da época em que haviam sido namorados, aos dias de hoje, ela foi perdendo o hábito de usar jóias, ou roupas mais sofisticadas e passou a optar pelo conforto, o que, de certa forma, escondia as suas belas formas.

Ele a via todos os dias, estava mais do que acostumado. Já se haviam passado onze anos de casamento. Mas, apesar de se sentir sempre impelido a testar seu poder de sedução, ele nunca a havia traído. Não tinha coragem, pois sabia que era um caminho sem volta. Só que gostava demais de flertar. Flertava com as colegas de trabalho, com as amigas, com as amigas de sua esposa, com ex-namoradas. Ele se sentia muito perdido às vezes, ainda mais porque quanto mais ele flertava, mais a sua esposa se distanciava dele, apesar de sempre dizer que o amava e o desejava muito.

III

O telefone celular dela tocou três vezes, depois parou. Quinze minutos depois, tocou novamente mais três vezes. Parou novamente. Ela não atendeu. Ele se virou para ele e perguntou:

- O que foi? Por que você não atende? Algum problema?

Ela, meio nervosa, respondeu:

- Nada, nenhum problema, com a voz trêmula. É que é alguém lá da festa, e eu não quero atender.

- Atende, podem estar querendo nos avisar de algo que nos esquecemos! Aliás, você não esqueceu nada lá, esqueceu? Eu não gostaria de ter que voltar todo este pedaço de estrada que já percorremos!

- Não, eu não esqueci coisa alguma. Não estou a fim de atender. Deve ser incomodação. Depois eu ligo para a Marina e vejo o que era...

De repente, o telefone começou a tocar novamente. No segundo toque, ele passou a mão no aparelho, viu que era outro número, e não o da casa da Marina, e o atendeu.

- Alô? Quem é? Diga lá...

Cuidava para dirigir e falar ao telefone ao mesmo tempo, coisa que não gostava de fazer. Achou melhor parar o carro no acostamento e ligar o pisca-alerta. Mas, ninguém falou nada do outro lado. Ele achou estranho e desligou. Virou-se para Malú e disse, em tom enfático:

- Por que é que eu tenho a sensação de que você sabia quem era? E por que a pessoa do outro lado ficou muda quando atendi?

Estas perguntas pareceram ecoar dentro do carro...Malú não conseguiu responder, apenas abaixou a cabeça e murmurou:

- Vamos continuar esta viagem, por favor. Estou louca para chegar logo na minha casa.

Ele ligou o carro e retornou à estrada, encafifado. Havia algo que Malú não queria lhe contar. Teria acontecido na festa? Teria sido algo sério? Será que ela havia se aborrecido com alguém além dele próprio? Estes pensamentos pareceram invadir-lhe a cabeça e ele ficou matutando sobre eles por um longo trecho da viagem.

IV

Faltando uns quinze minutos para chegarem ao pedágio, viram um carro enguiçado no acostamento e Roberto resolveu reduzir a velocidade para ver se era algum conhecido. Passou devagar pelo carro, olhando para o sujeito que estava ao telefone, talvez pedindo socorro, e viu que era Lauro, um dos amigos de Malú e Marina. Olhou para a esposa, que continuava olhando para baixo, e disse:

- É o Lauro! Vamos parar para ver se ele precisa de alguma ajuda? Vamos, ele está sozinho!

E foi encostando o carro à frente do dele. Malú ficou paralisada, não sabia o que fazer.

- Oi, Lauro, posso te ajudar? Está enguiçado?

- Oi, Roberto, valeu, cara! Mas, na verdade, acho que furou um pneu, o carro começou a apresentar uma certa instabilidade e eu parei para verificar. Aproveitei para dar um telefonema! Não tem grilo, não, cara! Deixa que eu troco isso rapidinho! Segue a sua viagem que ainda falta muito.

Malú nem chegou a descer do carro. Ficou lá, sentada, sem ação. Não olhou para o Lauro.

- Faz uma coisa, Lauro, me deixa aqui anotado o seu telefone que quando eu passar pelo pedágio, aviso à Concessionária que administra a estrada e eles vêm te ajudar com este pneu. Falta muito pouco para chegarmos ao pedágio...

E foi logo pegando o bloco que ficava no porta-luvas e dando para o Lauro anotar o telefone. Quando entrou no carro, entregou o bloco para a Malú, que ficou ali, quieta, torcendo para que a memória de Roberto fosse curta.

V

Quando chegaram ao pedágio, Roberto tratou de procurar por um encarregado e avisar do problema do amigo, para que o mesmo fosse socorrido. Sacou o bloco e ditou o número para o homem, que já estava acionando a equipe de resgate. Afinal, era para isso que eles pagavam um pedágio tão caro na ida e na volta.

Ao entrar no carro, se deu em conta de que aquele era o número que havia ligado para o telefone de Malú. Olhou para ela, tão pálida, tão emudecida, e entendeu que o feitiço havia virado contra o feiticeiro. Leu em seu rosto que havia rolado uma traição. Há quanto tempo estava se encontrando com o Lauro? Como isso tinha acontecido? Como uma mulher que o ama tanto era capaz de o trair? Ele nunca havia conseguido, mas estava sendo traído bem ali, embaixo do seu nariz! Ele não conseguiu perguntar nada a Malú. Dirigiu até em casa pensando em fazer uma pequena mala e buscar um hotel, para se dar um tempo para refletir a respeito. Havia tirado suas próprias conclusões, já que a conhecia demais.

VI

(...)
Chegaram na festa e viram que o pessoal já estava meio alcoolizado. Decidiram beber também e curtir o clima agradável do reencontro. Muitos amigos de Malú haviam comparecido, alguns acompanhados, outros sozinhos, por já estarem separados. Roberto, como de costume, jogou charme para todo mundo. Em meia hora, ficou rodeado de mulheres, até de Marina, a dona da casa.

Malú, sua esposa, ficava olhando de longe, apreciando sua habilidade com as mulheres, vendo como aquele garanhão continuava com as garras afiadas e o charme a toda prova. Sem perceber a aproximação, Malú se deparou com Lauro, um homem por quem havia sido apaixonada na época do colégio. O coração dela disparou. Por que? Seria só pelas lembranças da adolescência?

- Malú, que saudade?! Nossa, que cheiro bom! Que perfume é esse? Sempre adorei o seu cheiro, sabia?

O papo foi rolando, e Roberto nem percebeu o assédio a sua esposa, já que estava tão entretido em manter a sua fama de Don Juan. Malú, que há muito tempo estava com a moral baixa, começou a se encantar com a conversa e, depois de muito prosecco e de canapés deliciosos, Lauro a convidou para subir. Ela embarcou naquela onda, sem pensar muito nas conseqüências, e quando se deu em conta, já havia rolado uma transa rápida.

Sua primeira vez, depois de muito tempo, com outro homem. Lauro não era um desconhecido, mas, dele não se podia dizer que se sabia muito. Incrivelmente, ela não se arrependeu de pronto, sentiu-se até vingada. Mas, com toda a calma do mundo, virou-se para Lauro e avisou:

- Lauro, olha só, eu sou uma mulher muito bem casada e não pretendo levar isto a diante. Esquece! Não vamos nem nos lembrar que isso aconteceu. Não vale à pena!

Ao contrário do que Malú imaginava ouvir, Lauro respondeu:

- Vamos conversar isso depois. Eu peguei seu telefone com a Marina. Vou te ligar. Quero marcar para conversarmos. Esta conversa a gente não pode ter aqui. Eu quero você desde o colégio, quando você era uma garota boba, que não entendia os sinais. Não vou desistir assim tão rápido. Agora, é melhor que eu desça, antes que dêem por nossa falta.

Malú sentiu o clima pesado. E aí, começou a se arrepender. Quando finalmente conseguiu se arrumar para descer, Marina entrou no quarto e lhe perguntou:

- O que você fez, sua louca? ‘Tá maluca? Quer acabar com o seu casamento? Esse Lauro é doido de pedra! Ele vive me perguntando sobre você ... E você caiu na conversa dele direitinho. O que foi isso?

- Raiva, foi pura raiva do Roberto, desta necessidade de flertar com todo mundo. Estou de saco cheio. Não agüento mais este comportamento. Foi só uma transa de nada...amanhã já esqueci.

- Malú, você arrumou encrenca, pode esperar. O cara é doido! Agora, vamos descer. Daqui a pouco o Roberto percebe sua ausência.

Malú desceu as escadas e viu Roberto conversando com Paula, uma mulher que havia sido a pedra no seu sapato por muitos anos na escola. Teve um ataque, puxou Roberto pelo braço, começou a reclamar e resolveu que era hora de sair. Deu uma olhada pela sala e nem sinal de Lauro. Melhor assim.

- Vamos embora, Roberto! Pra mim, já deu!

VII

Roberto entrou em casa e foi até o banheiro. Trancou a porta. Malú soube, então, que ele havia percebido que era o mesmo número: o que ficou registrado no celular dela e o que Lauro anotou no bloco. Bateu na porta e pediu para ele abrir:

- Roberto, abre, quero falar com você! Abre, anda!

Roberto ficou se perguntando como conseguiu completar a viagem, como teve sangue frio para dirigir e controlar a vontade de jogar o carro contra um poste para acabar com aquilo de uma vez.

- Malú, por favor, me deixa quieto. Eu não quero falar com você agora! Depois você me explica o que aconteceu!

- Roberto, meu amor, esse Lauro é maluco! Ele fez de propósito, você não entende!?

Malú era advogada, era muito boa com as palavras e estava descobrindo que era excelente atriz.

- Esse cara me disse na festa que tinha sido apaixonado por mim na escola e que tinha pego o meu telefone com a Marina, que queria conversar comigo. Eu só não atendi porque não queria dar trela para doido. Vamos, meu amor, eu já te disse, eu te amo!

Roberto, então, achou que a história fazia sentido e abriu a porta. A mulher o esperava do lado de fora, seminua, de calcinha e sutiã novos, rendados, com a cara mais indecente do mundo. Roberto a abraçou... sentiu ainda um cheiro diferente na mulher, algo meio parecido com pecado. Mas, preferiu aproveitar aquele momento.

Malú nunca foi tão boa na cama como aquele dia, agiu como uma gueixa, realizou todos os desejos do marido. E ao final do amor, ele dormiu como um garoto.

E ela foi até a varanda, acendeu um cigarro e riu.

quinta-feira, novembro 09, 2006

não vá ainda...

Letra de: Christian Oyens - Zelia Duncan

O que você quer ?
O que você sabe ?
Não é fácil pra mim
Meu fogo também me arde
Às vezes me vejo tão triste

Onde você vai?
Não é tão simples assim
Porque às vezes meu coração não responde
Só se esconde e dói

Por favor não vá ainda, espera anoitecer
A noite é linda, me espera adormecer
Não vá ainda, não
Não vá ainda

Me diga como você pode
Viver indo embora
Sem se despedaçar
Por favor me diga agora
Ou será, que você nem quer perceber?
Talvez você seja feliz sem saber

Por favor não vá ainda, espera anoitecer
A noite é linda, me espera adormecer
Não vá ainda, não
Não vá ainda

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É na simplicidade que se encontram as coisas mais lindas, o mais puro sentimento...

segunda-feira, novembro 06, 2006

Verdades e consequências...

(toc toc toc)

- Quem é?, ela pergunta.

- Sou eu, me deixa entrar!

- O que é que você quer?

- Quero falar com você, me deixa entrar!, ele grita.

- Espera um pouco...

(tum tum tum)
- Me deixa entrar! Você não vai abrir esta porta?

(Ela abre a porta para ele)

- O que é que você quer falar comigo? (dando as costas)

- Tudo! Já chega! Chega da gente brincar que não está acontecendo nada entre nós! (nervoso)

- Mas, afinal, o que é que está acontecendo? (ansiosa)

(Ela caminha até a porta da varanda, abre uma fresta, sente o vento em seu rosto e fica segurando o choro)

- Por que você saiu da festa?, ele pergunta.

- Eu não estava me sentindo bem.

- Mentira! Não foi isso! Por que você saiu da festa? Fala de uma vez!, ele grita de novo com ela.

- Pôrra! Ciúmes! Eu estava morrendo de ciúmes! Satisfeito? Pronto, era isso que você queria ouvir!?

- Era.

(Ela senta na cama, apóia os cotovelos nos joelhos e segura a cabeça entre as mãos)

- Eu tô apaixonda por você, pôrra! Pronto, falei! Que saco! Já estou cheia de ficar escondendo isso! Ver você com aquela mulher dói mais do que tudo nesta vida! Eu tô de saco cheio de ficar sentindo isso...ainda mais porque eu sei que não vai me levar a nada! (ela esbraveja com ele)

(Ela então se ajoelha na beira da cama e chora).

- Por favor, me livra desse sentimento! (olhando para ele) Me deixa seguir o meu caminho, me deixa tentar ser feliz! De algum modo, eu tenho que tentar ser feliz longe de você! Você precisa me deixar ir!

(Ele puxa o corpo dela na direção do seu e lhe dá um beijo apaixonado, demorado, quase desesperado)

- Finalmente! Eu precisava provocar isso! Eu precisava que você tomasse coragem para me dizer o que está dizendo, que você se sentisse pressionada para dizer tudo isso para mim, porque eu queria muito te dar esse beijo, te abraçar, ficar com você...

- Eu...eu...nem sei o que dizer (chorando e rindo o mesmo tempo, e se sentindo patética)

- Não diz, me beija, me beija com vontade, me abraça forte...Dançar com ela foi só pra te fazer ciúmes...

(E ele a beija de novo, e ela o ajuda a despir-se e ele desabotoa a blusa dela, e eles se amam com uma intensidade, suam de pingar, impregnando nos lençóis e por todo o ambiente um cheiro de amor rasgado que jamais haviam sentido...era muita paixão represada...)

(Mais tarde...)

- Por que você não foi direto? Por que você não disse antes o que sentia?, ela o interroga...

- Mas eu disse! Várias vezes! Você é que não compreendia, ou fingia não compreender. Eu me declarava e você se recolhia. Aí você vinha com uma conversa "mole" e eu não entendia nada... já estava quase desistindo.

(Ela levanta e acende um cigarro, nua. Ele fica observando o corpo daquela mulher, sua mulher naquela noite, embevecido e orgulhoso.)

- Eu amo você, sabia? Eu seria capaz de mudar a minha vida completamente por sua causa. Mas, sinceramente, não sei o que você quer!, ela diz.

(Ele olha bem nos olhos dela e suspira...)

- Vamos deixar para pensar nisso depois? Deita aqui, vamos repetir a dose. Me deixa ser o homem mais feliz do mundo, só esta noite!?

(Ela deita, o amor recomeça. Eles dormem e sonham juntos. ... Antes que ele acorde, ela se levanta, toma um banho e sai para caminhar pelo hotel.)

- O quê que eu faço? Ele vai acordar... será que vai se lembrar de tudo que fizemos? Será que vai se arrepender? Será que gostou?, ela se pergunta...

(Volta ao quarto e encontra um ramo de bouganvilles sobre seu travesseiro, a cama ainda com os lençóis impregnados do amor que rolou. Também há um bilhete:

"Não pense, apenas sinta. Nossa noite foi demais. Beijos")

E amanhece.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Para quem quer me conhecer melhor, minha análise numerológica...

Rebecca Leão
03-08-1970


LIÇÃO DE VIDA: 10
O numero de sua data de nascimento. O que viemos aprender nesta jornada, assim como dificuldades a serem superadas.--> 1.


Precisa aprender a ser original, ter força de vontade, ser criativo, inovador. Deve seguir em frente com uma visão ampla e firmeza de propósitos tomando suas próprias decisões. Procure manter independência no pensar e no agir e evite recuar. Pode ser um excelente executivo. Qualquer ocupação que exija determinação lhe é indicada, pois não gosta de estar em segundo plano e tampouco receber ordens.

SUA ALMA: 22
Sentimentos mais profundos, o que nos motiva, experiências e informações acumuladas para lidarmos nesta encarnação. O numero referente às vogais de seu nome.--> 22.


Nasceu para ser mestre, construtor no plano material, prático e organizado, idealista, filosofo (mas com pensamento lógico). Carrega altas aspirações, mas com os pés firmes no chão. Possui tendência a expandir seus negócios além dos limites, podendo com isto, tornar-se conhecido nas mais altas camadas e proporcionar grandes benefícios para a comunidade.Deve evitar excesso de rigidez, autocrítica e disciplina, procurando ver com bons olhos as mudanças que acontecem, a fim de não perder as grandes oportunidades que surgem na vida.

SUA APARÊNCIA: 11
Nosso eu exterior ou impressão que causamos aos outros. Como somos julgados à primeira vista. Ex: como estamos vestidos, nosso tipo físico, atitudes, etc... Mas só aqueles que nos conhecem na intimidade nos conhecem verdadeiramente. O numero referente às consoantes de seu nome.--> 11.


Pessoa com tendência à liderança, chegando a ser imitado pelo seu jeito de ser. Tem personalidade idealista, sonhadora e inspiradora. Apresenta propensões artísticas e transmite paz, embora se mostre individualista em algumas ações. Não tem compromisso com a moda.

O QUEVOCÊ É: 6
Todas as letras que compõem seu nome.--> 6.


Amante do lar e com forte ligação com a família, você adora um ambiente acolhedor e harmonioso. Aprecia as artes e a beleza, e está sempre buscando melhorar seu padrão de vida para dar mais conforto àqueles que o cercam. É emotivo, bondoso, procura estar sempre disponível, aconselhando ou buscando equilibrio para situações conflitantes. Ótimo anfitrião, não poupa esforços para receber bem os amigos. Aprecia mesa farta e muito bem decorada. Extremamente carinhoso, meigo e fiel, acredita em ligação duradoura. Deve tomar cuidado com a superproteção para não sufocar. Evite teimosia e, principalmente, aceite os limites de compreensão dos outros, não impondo suas verdades e se intrometendo demais, exercendo assim poder e domínio. Lembre-se: você não é o que faz, mas sim o que é.

DESEJO INSTINTIVO: E
A primeira vogal do nome, mostra nossos impulsos emocionais e como reagimos diante de estímulos externos. Descubra como reage aquele (a) que você ama.--> E


Deseja a liberdade acima de tudo. Age com impulsividade e se mantém ansioso a quase todas as mudanças que aliás é o que mais gosta de fazer. O inesperado o agrada muito. Não suporta rotinas rígidas e adora fazer várias coisas ao mesmo tempo. Nunca está satisfeito com o que tem e está sempre em busca de novidades.Conselho: Seja versátil faça surpresas, apareça de repente sem avisar.

SEU NÚMERO DE PODER: 7
Todas as letras que compõem seu nome, mais a sua Data de Nascimento. Essa vibração ajuda no aprendizado de nossa missão ou lição de vida. Aquilo que você acertou com a Divindade antes de nascer. Funciona como um farol dirigindo nossa vida.--> 7.


Oportunidade de seguir atividades mentais e espirituais, outros a procurarão por seus conhecimentos e sensatez. Pode desejar estar a sós, para meditar, pode ainda escrever sobre assuntos metafísicos.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Torpedos de amor - De repente num domingo de eleições

Peço perdão a Arnaldo Bloch por reproduzir aqui o seu artigo de sábado, 7 de outubro, publicado no Segundo Caderno do jornal "O Globo", mas queria guardar para sempre algo que achei de extrema sensibilidade.

Para quem gostar do que ler, recomendo a visita ao blog do Arnaldo, no endereço:
http://oglobo.globo.com/blogs/arnaldo/

O texto é maravilhoso e me emocionou muitíssimo, mas já não é a primeira vez que o Arnaldo faz isso. Se um dia ele souber que Rebecca reproduziu um texto seu, saiba que ela te ama.

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"Veio-me no domingo eleitoral essa torrente de
amor represado, como as lágrimas que ora correm, enfim.
Quando foi a última vez que chorei?
Vão aí anos. Nem em cemitério mais.
Como é bom chorar.
Que felicidade chorar.

*****
Eu,
onipotente,
jamais acreditei
na possibilidade
de me deixares.
Agora acordo e
digo:
"Não
posso
perder-te".

*****
Olho o mar
esmeralda
de Copacabana
e só vejo
teus olhos
(os meus
nublados
como o céu
esta tarde)

*****
Naquela caixinha
que te dei
não estão
dois anéis
Estamos nós
dois
à espera
de nascer

*****
Não é
por mim nem
para mim nem
por você nem
para você. É
pelo amor para
o amor.

*****
Os únicos olhos
que vi,
a única alma
que li,
o coração que
único
ouvi,
o sorriso
único
do sonho,
têm
um nome único:
o teu.

*****
Esse instante
em que,
para poupar-te voz
e ouvido,
falo-te-aos-torpedos
fogem-me
os medos
do vexame
digital

*****
No Aterro,
táxi rumo
cinema
você
no espelho
da enseada
colore
de poema
o poente
cinza
de sol

*****
Só queria isso:
uma palavra
sua.
Agora posso
dormir de novo
em paz".

************************************
Maravilhoso, Arnaldo, maravilhoso! Êxtase puro!

domingo, outubro 08, 2006

Paulo que ama Roberto que ama Ana que ama Ricardo que ama Bárbara que ama...

I

A preparação para sair de casa parecia a de um soldado que vai para a guerra. Era apenas uma jovem mulher que saía sozinha para fazer jogging ao redor da belíssima Lagoa Rodrigo de Freitas. Já que ela não tinha como ter uma trupe de seguranças guardando suas costas, achava melhor preparar-se para as surpresas inerentes a uma cidade sem lei.

Desde a escolha do tênis que ia calçar (confortável, porém muito discreto), ao bolso de sua roupa onde iria esconder seu iPod e como camuflar os fios de seus fones de ouvido (por dentro da camiseta), ela parecia pensar em tudo. A regra básica era parecer muito simples para não chamar atenção. Brincos e outras jóias iam ficar em casa, mas o relógio, este era peça fundamental, pois ela tinha que cronometrar a corrida e avaliar seu desempenho.

Começava sempre sua corrida pelo Parque dos Patins, onde podia deixar o carro, em direção a Ipanema. Estava se condicionando para dar o máximo de si em uma hora de corrida. Como este tempo ainda não era suficiente para que desse a volta na Lagoa, ela costumava correr 30 minutos e voltar para o ponto de partida pelo mesmo caminho. A música ajudava a marcar o ritmo. Seu único esforço era para se controlar e não cantarolar as músicas e ficar sem fôlego.

Naquele dia, havia feito tudo como de costume e, de manhã bem cedo, já estava no Parque dos Patins fazendo seus 20 minutos de alongamento. Ana era esguia, magra, seca e dava muita importância ao alongamento. Puxava bem as palmas das mãos, o pescoço para um lado, para o outro, enroscava os dedos e esticava os braços... Enfim, fazia mais de 36 combinações de movimentos de forma a trabalhar as articulações e músculos dos braços, das pernas, das costas, do pescoço e da cabeça.

II

Roberto sentia por Ana uma espécie de amor platônico havia quase dois anos. Considerava isso quase uma doença, algo crítico, principalmente quando acomete a homens maduros, que já viveram bastante e que sabem o que esperar da vida. Gostava tanto de gostar dela que já não fazia questão de estabelecer um relacionamento duradouro com qualquer outra mulher. Não que elas não aparecessem em sua vida, mas eram sempre encontros breves e passageiros.

Conheceu Ana numa manhã de domingo no outono enquanto comprava uma água de coco num quiosque no Parque dos Patins. Ficou encantado por ela, por seu jeito, por seu cheiro de alfazema, por seu modo gentil de falar. Até hoje, não sabe seu nome. No entanto, já acompanha a rotina de Ana há tanto tempo que já sabe exatamente a hora de sair de casa para vê-la correndo. Ela vem todos os dias, ele não sabe de onde, de que bairro. Usa um rabo de cavalo, farto, que faz contraponto com seu corpo esguio, magro e tem sempre ao seu lado um cachorro bem grande, que ajuda a amedontrar os ladrões que circulam pelas redondezas a caça de mulheres e crianças indefesas.

Roberto pensa todos os dias em uma forma de falar com Ana, de descobrir um pouco mais sobre ela, de torna-la real, de tira-la do pedestal em que a colocou, de deixar de fantasia-la em sua vida. Ana nem imagina que desperta em um homem como Roberto tanta adoração.

III

Paulo há muito já notou o Roberto diariamente freqüentando o Parque dos Patins. Gosta dele, é um cara bastante simpático. Sempre arruma uma forma de puxar assunto. É apenas um vendedor de cocos e água gelada, mas é um cara culto, instruído, que o destino colocou ali por uma destas manobras que a gente nem sabe como aconteceu. Perdeu o emprego, mas não perdeu a força.

Sabe que Roberto não é um desportista, que freqüenta a Lagoa por outras razões. Ele até se esforça, corre um pouquinho, pega sol, caminha, mas não é a “praia” dele. Paulo pode até não ter sacado ainda qual o motivo que leva Roberto a Lagoa no mesmo horário todos os dias, mas sabe que gosta de encontrar com ele.

Há muito está sozinho e procura um novo companheiro, mas anda temendo pelas maldades cometidas aos homossexuais nesta cidade hipócrita. Os ladrões já inventaram muitas formas de limpa-los, de deixa-los de mãos vazias depois de uma noitada, pois sabem o quanto se arriscam. Paulo tem preferido adotar uma outra estratégia, de conhecer bem o cara primeiro para depois tentar um salto em queda livre. Será que Roberto é um bom companheiro, se pergunta?

IV

Ana não sabe muito bem de onde tirou forças para começar a exercitar-se. Era uma pessoa bastante sedentária enquanto esteve casada com Ricardo, mas teve que mudar radicalmente depois que ele a deixou por Bárbara, sua subordinada.

Foi tudo tão de repente, o casamento parecia estar bem. Sem filhos, sem nada, sobrou o cachorro, um Golden Retrivier. Um bom companheiro, já um pouco velho, dez anos, chamado Bento.

Bento tem sido como um fiel escudeiro, que se deita ao pé de sua cama todos os dias e parece velar seu sono, mesmo quando ela passa as noites em claro pensando no tamanho do fracasso que foi o final de seu casamento.

Hoje ela não se acha mais atraente, acha que nunca mais vai conseguir conquistar um homem, que homem nenhum vai olhar para ela. Só lhe restam os exercícios físicos, cuidar da vida social, sair com os amigos, fazer de seu apartamento um belo refúgio e ter um hobbie, o que só percebeu a importância depois de ficar sozinha.

Está cogitando seriamente fazer dança de salão, mas ainda não encontrou alguém que queira ser seu par.

V

Roberto pensa em Ana todos os dias. Em como ela está, se está bem, onde é que ela mora, se está sozinha...parece que sim. Pensa em como ela seria a mulher ideal para ele, três casamentos desfeitos, três filhos, do primeiro e do segundo, o terceiro não gerou filhos, só amolação.

Ele gosta de casar, gosta de estar junto. Não gosta de viver sozinho. Já pensou em convidar seus filhos para morar com ele, mas sempre acaba achando que não é uma boa idéia, já que é uma pessoa bom coração demais, mole demais, sempre acaba deixando que eles façam o que querem...

Na hora em que começa a se arrumar para ver Ana, seu coração acelera, ele sua frio, fica nervoso, como pode?

Mas, hoje, tem uma reunião, não poderá ir a Lagoa...

VI

Será que o Roberto vem hoje?, pergunta-se Paulo. Já está escurecendo e nada dele. De pessoas conhecidas, só vi aquela moça do boné, iPod e cachorro. Simpática ela. É..., amanhã tem mais.

VII

Escurece. Amanhece. Os dias passam. A roda da fortuna gira. Quem dará o primeiro passo?

terça-feira, outubro 03, 2006

Fita vermelha

I
Ela amarrou a fita vermelha nos cabelos, passou o batom, também vermelho, e saiu pela rua, no meio do bloco.

Estava exultante, orgulhosa de sua fantasia, planejada e confeccionada por ela mesma, em janeiro. Nunca tinha se permitido brincar o carnaval de rua, nunca tinha se dado o direito de "construir e viver uma fantasia".

Estava cansada de tanta caretice, queria matar as saudades de um tempo que não tinha vivido e que só conhecia pelas revistas e pela televisão.

Olhando as pessoas que estavam curtindo a festa, dentro e fora do bloco, fantasiadas ou não, ela viu, pela primeira vez, a alegria estampada, viu um sopro de felicidade nunca visto outrora. Seus cabelos rubros, cacheados, amarrados na fita vermelha compunham uma pintura com sua fantasia, e ela emanava paixão: pelos outros, por si mesma e pela vida!

As velhas marchinhas de carnaval, todas cantadas de cór, serviam de trilha sonora para aquele momento mágico, um pano de fundo para um sonho de liberdade...nem que este sonho durasse apenas os quatro dias de carnaval e se acabasse na quarta-feira de cinzas.

Pulando com o povo no bloco, sentia aquela alegria invadindo-lhe o peito, tornando-a leve, fazendo com que ela esquecesse os problemas da vida. Tanto tempo perdido...

II
Olhando nos olhos dos homens, sentia de novo o desejo surgindo, sentia que estava viva. Sentia-se bonita, tão saudável, tão cheia de amor. Há muito sentia-se cansada, mas naquele dia, estava disposta, havia se encontrado...

No meio da multidão, avistou um antigo amor, Marcos. Pensou que não poderia ser verdade, pois já não o via há mais de quinze anos. Arriscou chamá-lo, mesmo com todo aquele barulho:
- Marcos! Marcos!

Ele ouviu sua voz e abriu-lhe um sorriso escancarado, fitando-a nos olhos como fazia quando eram namorados. De braços abertos, pulando ao som da marchinha, ele caminhou em sua direção, enquanto ela tentava vencer a multidão (que insistia em estar ali se divertindo) e chegar onde ele estava.

III
O Marcos que ela conheceu era um homem alto, forte, corpulento, de cabelos negros e espessos. Hoje, havia se transformado num homem bonito, porém já meio grisalho, mas ainda era o homem mais cheiroso da face da Terra...

- Luísa, quanto tempo! Dá aqui um abraço!

- Ô, Marcos! Por que a gente ficou tanto tempo sem se ver!?

Num primeiro momento, eram bons amigos que se encontravam depois de anos. Um abraço, depois outro abraço...

- Vamos tomar um choppinho, para matar as saudades!

- Como nos velhos tempos? Vamos! Você está sozinho?

Isso fazia mesmo diferença? Sentaram-se num barzinho que margeava a rua e pediram dois choppinhos bem gelados. O papo se seguiu enquanto o bloco passava. Como a música era altíssima, tinham necessidade de cochichar nos ouvidos, de falar bem pertinho, encostando os rostos. Ela foi sentindo uma saudade dele, do seu toque, do seu cheiro...ainda usava o mesmo perfume...

Ele sentia o mesmo, o coração chegou a disparar algumas vezes. Não sabia se era ela ou uma sensação de voltar a ser adolescente. O fato é que seus cabelos, seu hálito, seu toque, o estavam remetendo a uma época de sua vida em que ele era livre, feliz, inconsequente até!

IV
De repente, um desejo louco por um outro abraço acometeu os dois...e do abraço veio a vontade de um beijo... e eles ficaram se perguntando por que mesmo o namoro deles tinha acabado...
E depois daquele beijo, veio outro beijo, e mais outro, e mais outro...

Ah, que carnaval! Bendita fita vermelha no cabelo da Luísa! Bendito batom...que sabor de cereja! Bendita cerveja gelada, deixando as pessoas mais descontraídas, mais à vontade!

Como eles estavam próximos da casa da Luísa, resolveram continuar o papo por lá, mais reservados, sem a presença daquele mundo de gente jogando confete e serpentina nos pierrôs e colombinas perdidos na tarde festiva...

Marcos havia ficado tão bom com o tempo, tão habilidoso com as mãos! Luísa, por sua vez, sabia o que queria, conhecia melhor o seu corpo e o seu desejo. A saudade era muito grande: o amor começou na sala, estendeu-se pelo quarto, pela cozinha, no banho gelado, e terminou numa noite estrelada, com o casal caminhando pelas ruas da cidade de mãos dadas.

V
Quando finalmente Marcos deixou Luísa de volta em casa, já no raiar do dia, um olhou bem fundo nos olhos do outro, e ambos agradeceram pelas noites vividas e revividas naquele encontro. Sem precisar de um acordo, resolveram não trocar telefones. Se o destino assim o quizesse, Marcos saberia como encontrar Luísa, como voltar àquela casa, como retomar aquele amor.

E, depois de um sono tranquilo e abençoado, foi hora da Luísa trocar de fantasia e se preparar para outro bloco, outra aventura, outro dia feliz de carnaval.

sábado, setembro 16, 2006

Soneto do Corifeu

Vinicius de Moraes

São demais os perigos desta vida
para quem tem paixão principalmente
quando uma lua surge de repente
e se deixa no céu como esquecida
e se ao luar que atua desvairado
vem se unir uma música qualquer
aí então é preciso ter cuidado
porque deve andar perto uma mulher
deve andar perto uma mulher
que é feita de música, lua e sentimentos
e que a vida não quis de tão perfeita
uma mulher que é como a própria lua:
tão linda que só espalha sofrimento
tão cheia de pudor que vive nua.

Sem seguro contra meus ataques particulares...

Hoje fui tomada de assalto pela angústia. Derrubou-me em ataque terrorista os castelos de areia feitos com água de fantasia e de paixão. Trouxe-me um nó na garganta, uma dor no peito e algumas lágrimas nos olhos. Mas, o principal, trouxe-me o vazio. Revi-o hoje, 11 de setembro. Já não lembrava mais a amargura que era encontrá-lo.

Esse vazio só se equipara ao vácuo que preenche o Universo: imponente, onipresente, avassalador. Ele veio para sufocar-me a alma, para tornar-me pequena, sem que haja luz no fim do túnel.

Faz tempo que eu vinha domando a energia negativa da angústia como se faz com boi brabo em festa de rodeio. Fechava-lhe as portas com um sorriso escancarado, debochado, de quem ri pela frente, mas um tanto desesperado, pregado no rosto. Fingia ser feliz, uma felicidade maior do que o mundo, para não lhe dar espaço. Não havia como deixar a angústia se instalar por aqui, não suportaria tal fato.

No entanto, esta estratégia foi funcionando bem, só que feito represa de águas turbulentas. Quanto mais você segura as águas, mais violentas elas se tornam. Abertas as comportas, o que sai acaba por varrer tudo que encontra pela frente, a destruir, ocupando vilas e casas com toda a sua força.

Quem burlou a segurança para me impor a angústia foi a verdade. Tirou-me do sonho e mostrou-me uma realidade irreparável. Agora, preciso aprender a lidar com elas, a angústia e a realidade, nuas, cruas, impávidas.

O sorriso que cultivo, contudo, vou mantê-lo no rosto. Quem sabe, usando esta máscara para sempre, vou acabar me convencendo de que sou assim.

sábado, setembro 02, 2006

Vôos e (des)ilusões...

Pela janela via aquele tapete
de nuvens brancas e espessas.
Voava em assento sobre a asa,
com uma ponta de medo,
como sempre.

O avião parecia deslizar sobre as
nuvens, sem tocá-las, sem turbulência.
Sabia que, a qualquer momento, o piloto
faria um mergulho
E assim, seria possível ver a cidade e
suas milhares de luzes lá embaixo.

Ao realizar o mergulho, ela pôde acompanhar
uma cena que parecia feita de mágica...
a ponta da asa riscando as nuvens, deixando
um rastro de passado escancarado e ligeiro.

Na sua cabeça, só havia o desejo de guardar para
sempre aquele imagem poética misturada aos
pensamentos de amor que lhe invadiam a alma.

Costumava viajar em pensamentos quando
voava, olhando o pôr do sol no horizonte, e as lindas
paisagens de sua cidade - o Rio de Janeiro - quando
a máquina decolava.

Era difícil acreditar em todas aquelas belezas juntas,
numa cidade só. E Deus fêz tudo com tanto capricho...
emocionava-se e pensava na vida, tão curta, tão efêmera.

Queria muito uma chance de viver intensamente o que sentia.
Mas, tinha que torcer para o acaso.
Se o Herói lá de cima pudesse dar uma mãozinha...!!!

sábado, agosto 26, 2006

Vinte poemas de amor - Pablo Neruda

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

Proteção

No rosto da boneca de porcelana,
ela vê um olhar parado, sem expressão.
Presenciou tantos horrores, tanta tortura,
mas não tem memória!

Os olhos azuis de rímel borrado
não confessam tristezas pelo
visto nos campos de concentração.
Com o tempo, o rosto rosado
da porcelana perdeu a cor.

No braço, traz marcado o número
de sua dona, que também teve o mesmo
número marcado em seu braço.
Sobrevivera à vida nos campos.

"Como?", perguntava-se a menininha,
"Como vovó sobreviveu?"

Ganhou da avó judia a boneca de porcelana
e ouviu muitas histórias.
Aos poucos, à medida que foi crescendo,
passou a compreender a dimensão do que
sua avó dizia, o significado do número
gravado no braço de sua boneca.

O horror vivido naquela época
ficou no passado.
Vovó contava as histórias com poesia
e lirismo, enquanto tomavam o chá da tarde,
procurando amenizar para sua netinha o que
tinha vivido.

Não escondia dela, porém, o que viu:
o ódio dos homens cruéis.
Mas, em suas histórias, ressaltava a
coragem de uma sobrevivente.

E a menininha cresceu, lado a lado,
com sua companheira de porcelana.
Cabelos emaranhados de tanto penteá-los,
olhos azuis de rímel borrado e
muita fé no coração.

O nada

Sou aquela que não é.
Não existo.
Sou o nada,
pois nada represento.

Tenho um corpo, uma mente,
uma alma.
Meu espírito viaja por
planícies e planaltos
desse mundo terreno.
Mesmo assim,
não me veêm.

Sou aquela que não
precisa de ajuda, que
não pede um carinho,
um alento.

Sou aquela para quem
ninguém telefona para
perguntar se está tudo bem.
E quando alguém telefona,
sempre pensa que aguento
tudo. Mas, não aguento
quase nada.

Sou fraca, sou pequena,
mas me faço forte,
onipotente,
onipresente.
Sou aquela que Deus fez bambu
e sei que vou vergar a vida inteira,
sem quebrar.

O que me prende, o que me amarra,
é este conhecimento maldito
que trago comigo.
Quanto mais aprendo,
menos espaço tenho.
Queria, só por um dia,
a ignorância.

sábado, julho 15, 2006

Uma partida de futebol

I
Sentou-se com dificuldade no banco da praça, apoiando-se em uma bengala de madeira de cabo de madrepérola, agora sua fiel companheira. O mesmo banco da mesma praça dos últimos dez anos. Fazia algum tempo que ele começou a perceber as mudanças em seu corpo. A calça de linho recobria o corpo magro e frágil que outrora foi o corpo negro, forte e musculoso de um jogador de futebol, testemunhando a velhice que chegava lentamente.

Com a aposentadoria na serralharia, um de seus passatempos prediletos era ir até a praça Afonso Pena, perto de sua casa, e ficar olhando as crianças. Conhecia todas as que brincavam ali e quando um rostinho novo aparecia, ele tratava de se apresentar.

- Olá, meu rapaz! Eu sou o tio Zimba! E você, como se chama?

Já estava acostumado ao ritual e as crianças, nenhuma delas tinha medo dele. Ao contrário, elas o adoravam.

- Tio Zimba! Tio Zimba! Ajuda a gente a fazer a escalação dos times!?

E lá ia o tio Zimba, do alto de seus setenta e seis anos, escalar os times. Apesar do pouco espaço daquela praça destinado ao futebol, era possível bater uma bolinha sem incomodar quem passava ou desfrutava da sombra de suas árvores.


II
Nessa hora, era como se o “véio” Zimba tivesse novamente onze anos, tempo em que jogava futebol de várzea perto de casa, em Duque de Caxias. Já era um menino alto, esguio, um excelente meio de campo. Zimbinha, como era chamado, dava sempre os melhores passes, era sempre citado nos melhores lances e muito disputado na hora da escalação. Nunca fora um artilheiro, nem capitão do time, porque não precisava. O que ele queria era estar sempre jogando, pois não suportava ficar no banco de reservas.

No meio das inúmeras peladas no campo de terra batida, Zimbinha foi descoberto pelo olheiro do São Cristóvão Atlético Clube. Conversa com a mãe de cá, conversa com o pai de lá, Seu Mathias, o olheiro, consegui convencê-los de que aquela era uma grande chance para o menino, que assim eles poderiam ter a certeza de que ele iria estudar, que não ficaria mais na rua à toa e que seria bem orientado.

Aqueles foram tempos felizes, de muito futebol, muito treino e muitos exercícios físicos, para encorpar o menino Zimba. Às quintas-feiras, ele e seus amigos de clube pulavam o muro para ir ao baile. Todo mundo sabia, até o treinador, mas fingia que não sabia.

Em um desses bailes, Zimba conheceu Ana Rita, uma mulata faceira, cheia de curvas, dois anos mais velha, que mudou sua vida. Foram muitas as vezes que, mesmo cansado do treino, Zimba foi ao baile só para ver Ana Rita.

Um dia, tomou coragem e tirou Ana Rita para dançar. Zimba estava mais confiante do que nunca, pois acabava de fazer 15 anos, pêlos no rosto, já era um homem!

- Só danço com você no dia em que você marcar um gol para mim...Só para mim, pediu Ana Rita. Aquele pedido se transformou na grande meta de Zimba, que passou a treinar cada vez com mais afinco.

No dia 13 de agosto de 1944, um domingo à tarde, a seleção de juniores do São Cristóvão, que desde 1943 já era Futebol e Regatas, após fundir-se com o São Cristóvão de Regatas, jogava a decisão contra o América Futebol Clube no campo do estádio da Figueira de Melo, o Figueirinha. Casa lotada em São Cristóvão, oito mil lugares ocupados! Zimba colocou o uniforme preto e branco, olhou-se no espelho, estufou o peito e pensou: “Hoje, eu marco o gol da Ritinha”.

Aquele jogo foi o mais emocionante de sua vida, ele se recorda. Nunca mais jogou uma partida como aquela.

Uma distensão na coxa esquerda impediu que ele entrasse no primeiro tempo. Ficaria no banco de reservas, o que certamente lhe traria grande angústia. “Eu preciso de uma chance para fazer este gol, eu preciso”, pensava Zimba a todo instante, sabendo que Ritinha estaria ouvindo o jogo pelo rádio, ela lhe garantira.

Aos trinta minutos do primeiro tempo, o principal atacante do América marcou um golaço! Zimba começou a ficar ainda mais apreensivo com sua situação, pois sabia que podia ajudar o time a ganhar o campeonato. No intervalo, o técnico pediu um pouco mais de paciência a Zimba, orientou-lhe para fazer aquecimento, garantindo sua entrada em campo aos quinze minutos do segundo tempo. Zimba começou os exercícios e logo sentiu a coxa esquerda, mas não deixou que ninguém percebesse.

Ao entrar em campo, fez o sinal da cruz, como de costume, e pediu a Deus que o ajudasse a marcar o gol prometido. Na primeira oportunidade com a bola, Zimba surpreendeu a todos, driblou o centro-avante, estonteou o zagueiro e chutou no ângulo direito do gol, sem chance de defesa para o goleiro do América. “Como era mesmo o nome daquele goleiro? Ah, minha memória, onde você anda?” Cinco minutos depois, foi sua mestria com a bola que resultou no passe que levaria ao segundo gol do São Cristóvão e fecharia o placar do jogo: 2x1.

Zimba saiu de campo aclamado pela torcida, ao final da partida. Ao ser entrevistado pelo radialista, fez questão de dizer que o seu gol era para Ana Rita de Oliveira, a Ritinha, sua namorada. Em seguida, foi procurado por um senhor que o convidou a integrar o time do Clube de Regatas do Flamengo.

Ao chegar em casa, em Duque de Caxias, lá estavam seu pai, sua mãe, seus irmãos e amigos de futebol de várzea, orgulhosos de sua grande feita, e Ritinha, que fez questão de dançar com ele ali mesmo, na frente de todo mundo, ao som da batucada da rua, comemorando a vitória e a boa nova que já se espalhara. Zimba nunca ficou rico com o futebol, mas teve a vida que pediu a Deus enquanto atuou no Flamengo, primeiro como jogador, depois como assistente do treinador e finalmente como massagista.


III
O sol já estava se pondo na praça Afonso Pena. O “véio” Zimba tem dessas coisas de se perder nos pensamentos do passado. Sorri com suas lembranças, ninguém sabe de que feita ele ri. Ah, como a Vó Rita sabe disso!!

- Meu “Véio”! Ô, meu “véio”! Vamos embora que a subida é longa até a Rua do Bispo!

E assim eles seguem todos os dias, ao pôr do sol, de braços dados, bengala dando apoio, cumprimentos aos amigos de praça, pés arrastando na terra do parquinho, em direção ao casebre onde vivem na favela, o Tio Zimba, a Vó Rita e o maior amor deste mundo.

domingo, julho 02, 2006

Um trecho de Tabacaria (Fernando Pessoa)...

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem
não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado,
já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e
dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

sábado, junho 24, 2006

Escolhas...

I

Mais um dia normal como qualquer outro estava para começar. Ela se levantou calmamente, sentou-se na cama, esticou os braços para espreguiçar-se e procurou por seus chinelos. "Onde foi que eu os deixei ontem, meu Deus?". Foi descalça até o banheiro então, após dar uma olhada em volta da cama, sem encontrá-los.

Ao se olhar no espelho, pensou que, finalmente, depois de muitos meses, já não se via tão abatida, tão cansada, tão envelhecida. Não sabia exatamente quando aquela sensação de exaustão havia passado, mas agora ela não tinha medo do espelho como outrora.

Escovou os dentes, tirou o pijama, abriu o chuveiro e deixou que a ducha caísse suavemente pelo chão do box, para esquentar a água e encher de vapor aquele pequeno cômodo que os arquitetos um dia chamaram de quarto de banho. "Tão apertado, meu Deus!" No quarto de banho, não havia luz. Ela não havia pago a conta. "Tudo bem, amanhã eu pago! Eu resolvo isso!" Acendeu um toco de vela e com ela, iluminou uma fresta do cômodo, o suficiente para ter um raio de luz e alguma sombra, de forma a guiá-la em sua tarefa, já que não havia uma janela, só um exaustor que puxava o ar quente para o prisma de ventilação.

Depois de alguns minutos, abriu a pequena porta de vidro e entrou no box, para sentir o calor da água. Precisava relaxar. Deixou que a água batesse forte em sua nuca, nas costas, em seu dorso...o calor foi aliviando todas as tensões e dores do dia anterior que teimaram em resistir ao sono. A água escorria por seus cabelos, agora tão cumpridos e chegava aos seus pés pequenos(sempre achou que seus pés eram pequenos se comparados à sua altura). Curtiu aquele momento.

Ensaboando-se de olhos fechados, como se conduzisse uma experiência muito particular, pôde sentir seu corpo, suas dobras, seus montes, suas cavernas, braços e pernas, cabelos e pêlos, rosto, pele. No escuro, tudo tão bonito e cor de âmbar. Tudo tão vivo e pleno de desejo. Sentia o prazer do banho, de passar as mãos ensaboadas pelo seu corpo, tocando cada parte com a suavidade com que gostaria de ser tocada. Aquele era um momento só seu, e ela tinha que aproveitar cada minuto. Havia muito tempo que ela não se sentia tão viva.

Estava sozinha, como se há muito já não estivera. Mas estava realmente sozinha. Com tempo para pensar, refletir, sonhar, planejar. O tempo agora parecia ser muito. Todos os dias, o tempo era só seu. Tempo para se curtir, tempo para se conhecer, tempo para entender os seus desejos. De uma hora para a outra, começou a se perceber falando com Deus...muitas vezes ao dia, chamando por Ele e questionando suas ações e sua existência, como se estivesse em constante processo de meditação e reflexão.

Não tinha mais medo da noite. Não tinha mais a noite companheira insone. Agora, dormia bem. Sonhava com os anjos. Quando chegava em casa, que apesar de modesta era só sua, encontrava tudo do jeito que havia deixado, sem interferências. Valorizava o seu trabalho. Não precisava mais de licença para ser feliz. Podia chorar, sem que fosse escondido, podia rir do que quisesse, podia escolher com quem estar. Liberdade...

II

Aquelas escolhas tinham sido difíceis. Mudar tudo exigiu dela muito planejamento, muita tomada de decisão. Ela teve que descobrir o que queria, como pensar sozinha, temendo fazer as piores escolhas, mas certa de que aquele relacionamento estava por esgotar-se, e que o futuro que se podia vislumbrar era terrível.

Agora, quando olhava para as paredes de sua casa, não as encarava mais como as grades de seu cárcere. Não temia mais ter que conversar com elas, não se via mais tolerando um ambiente tão desarrumado e hostil. Ela mesmo tinha se tornado uma relaxada. Não tinha mais prazer em cuidar de nada. E agora, tinha a chance da felicidade. Sozinha ou com qualquer um.

Está certo que teve que enfrentar resistências de todos os lados. Da família, dos amigos, do próprio marido. Ninguém queria que ela partisse neste vôo cego. Achavam muito arriscado. Mas o que é a vida senão um grande jogo arriscado? Às vezes a gente perde, noutras, ganha. É a roda da fortuna.

III

Ela teve muito medo...medos de todos os tipos a assombraram.

Medo de deixar seu marido sozinho e ter que arcar com as consequências de seus atos..."Eu não sou mãe dele, meu Deus, por que sinto tanta culpa pelo que ele faz?"

Medo de ter que aprender a dizer: "Eu quero, eu posso"... Lembrou das várias vezes em que, estudando História com seu pai, teimou em repetir que não conseguia entender ou decorar o tópico e ouviu novamente as suas palavras: "Nunca diga que não consegue...você consegue tudo que quiser...basta querer!" E ficou mais uma vez feliz em saber que havia aprendido aquilo com seu pai.

Medo de ter que sair em busca da felicidade, já que tinha ficado esperando ela bater à sua porta por tanto tempo. Aquela postura tinha se transformado em inércia, em imobilidade. Era como se ela não soubesse mais se merecia se feliz, depois de tudo que havia passado.

Medo de não ter mais chance de ser mãe. Aquele era um medo maior. Mas, durante algum tempo ela chegou a ter medo de por no mundo um filho para carregar tanta tristeza, para ver as ações degradantes de um pai que sofria e estravazava na bebida, fazendo com que todos a sua volta sofressem, como num círculo vicioso. Quanto mais ela reclamava que não queria mais sofrer, mais ele se entregava ao vício e insistia em dizer a todos que aquilo não era doença, que ele o fazia de forma consciente. Se era consciente, era ainda mais cruel.

Medo de ser feliz, por fim. "Como lidar com a culpa de ganhar outra chance de ser feliz, se quem ela gostava estava tão mal? Deus, será que eu não posso deixar o passado para trás?"

IV

Era tudo diferente, finalmente. Não precisava mais se esconder atrás de um estereótipo. O estereótipo de mulher séria. Começou a mudar lentamente. Voltou a praticar exercícios físicos, e a ter vondade de se cuidar. Tinha tempo para isso.

Mudou de tudo um pouco, à medida que ia se transformando por dentro. Pintou os cabelos de ruivo então. Seu marido sempre disse que não achava que ia ficar legal, e para não desagradá-lo, ela os mantinha na cor natural. Mas os fios brancos eram uma das razões pelas quais ela se sentia mais velha do que realmente era. Passou a cuidar de suas unhas e a usar tons da moda, mais fortes, abandonando o branquinho habitual e tão desbotado, tão apagado.

Trocou as roupas, comprou roupas mais modernas. Passou a usar vestidos, que a tornavam bem feminina.

V

Aquietou-se. No trabalho, todos perceberam a mudança. Achavam que ela tinha um novo homem em sua vida. "Por que não podemos mudar por nós mesmos? Por que tem sempre que haver alguém na estória?"

Ela estava diferente, tinha um brilho diferente no olhar. Sim, um outro homem havia até começado aquilo tudo, mas o que ela sentiu por ele nunca chegou a se concretizar. Ela nunca disse para ele, ele não era para ela. Mas, ele foi responsável por tirá-la do lugar, por colocá-la em movimento. "Pedra que não anda, cria limo!"

Ela havia sonhado muito com aquele homem e desejado muito vê-lo feliz. Mas, quis o destino que não fosse com ela. E não foi.

VI

Hoje, ela estava ali. Saindo do banho. Sã e salva. Poderosa. Plena de si mesma.

Já falava mais dois idiomas. Fazia curso de decoração nas horas vagas.

Frequentava com os amigos o Clube dos Democráticos, na Lapa, para bailar. Havia aprendido a dançar. E se descobriu leve como uma pluma.

Trabalhava com crianças agora e, ao invés de um filho, havia ganho vários, postiços!

A felicidade teve um preço. Ela não se arrependeu de tê-lo pago...

terça-feira, junho 20, 2006

Mais uma vez, Rebecca...

I

A lua já estava alta. Céu escuro, estrelado, um silêncio enorme tornava todos os sentimentos mais intensos.

Ao longe, ouvia-se grilos, cigarras e o bater das asas dos morcegos. Eram os seres da noite insistindo em romper o silêncio que aprofundava a vida.

Na beira do lago, me sentia vidrada no espelho d'água. Os olhos não desgrudavam das bolhas, das pequenas ondas que se formavam (com frequência) do nada.

O lago me chamava, me chamava, me chamava...

Já era inverno e eu estranhava as cigarras, tão amigas do calor, anunciando diariamente as alvoradas de sol.

O frio do inverno pedia roupas quentes e tirá-las era realmente um ato de coragem.

Eu sabia bem o que sentira da última vez que tentara vencer o lago: frio, dores, cãibras nas pernas e pés. Depois, tivera um pouco de nojo ao pisar o lodo do fundo do lago, terreno mole e escorregadio.

Mas o lago estava lá, majestoso, me chamando.

Despi-me de minhas roupas, casacos, meias, gorros, écharpes, luvas, tudo! Nua, despi-me também do meu pudor, da minha vergonha. Com a ponta do dedo do pé toquei a água do lago, a fria água do lago.

Era hora de atrever-me, de atirar-me com a coragem que o lago gelado pedia. Eu queria a liberdade que o banho me traria. Um mergulho, uma só sensação de prazer intenso.

Meus cachos vermelhos se libertaram com o movimento das águas, minhas mãos amoleceram ao seu toque, meu corpo flutuou como se sem gravidade estivesse. Tudo ali era sem gravidade. Era suave, macio e reluzia no reflexo da luz solar refletida na Lua.

Ali só havia eu. Ali, mais ninguém tinha importância.

Sentia-me como que no ventre de minha mãe. Como se estivesse nadando - privilegiada - no ventre da mãe Natureza. Sentia o contato com peixes que habitavam o lago. Estava tão livre que nem lembrava da minha nudez.

II

Não supunha, nem esperava, que aparecesse alguém por ali. Mais alguém naquele ambiente era anti-natural.

Imaginava estar tão perto de Deus que comecei a mentalizar uma conversa. Recordei fatos marcantes da minha vida, lembrei-me de outras belas paisagens, de viagens, dos lugares por onde andei, dos amigos que fiz. Perguntei a Ele porque tinha sido tão bom comigo. Por que tantas graças? Por que tanta força?

De repente, senti uma presença tão forte, tão grande... ouvi uma voz doce e macia, um som, uma música... Era como se a voz e água do lago fossem uma só entidade. Senti-me como vivendo um milagre. A luz da Lua se misturou a luz daquela entidade e a noite clareou sobre a minha cabeça.

Momento mágico e belo, senti-me abençoada, como seu tivesse ganho mais chances, mais força, mais vida.


III

Sem noção do tempo em que fiquei flutuando no lago, e sem me dar conta da madrugada que caía, deixei o conforto da água e coloquei a roupa. E segui a trilha de volta para a casa, ansiosa por uma xícara de chocolate quente.

De súbito, um empurrão, a queda, um golpe certeiro.

IV

(...)
O parto foi tranquilo. A menina nasceu calma, pouco choro, cabelos de fogo, cacheados. Os pais estão felizes. Seu nome é Rebecca. Às vezes, à noite, ao invés de chorar, ela ri (de prazer, talvez), como se lembrasse de experiências vividas em outras vidas. Gosta muito de água. Sua avó diz que ela é abençoada. Amém.

segunda-feira, junho 19, 2006

Mais do Drummond

Amar o perdido deixa confundido este coração.
Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do não.
As coisas tangíveis tornam-se insensíveis a palma da mão.
Mas as coisas findas, muito mais que lindas,
Estas ficarão.

[Carlos Drummond de Andrade]

A mão

Dedo mindinho,
Seu vizinho,
Pai de todos,
Fura bolo,
Mata piolho...

É o polegar!

Falanges, unhas, peles, palma,
a alma da mão.

Linhas e montes lunares
que mostram seus caminhos
tão tortos, sinuosos,
onde será que vão dar?

Filhos, doenças, amores,
nas mãos o destino de
quem acredita...
e quem teima em duvidar?

Vou viver muito?
Vou viver pouco?
O quanto a vida é relativa?
O quanto da vida se eterniza?

Se o beijo é no dorso da mão,
eu te respeito!
Se é na palma, te entrego
o meu amor.
Beijando sua alma,
sua palma da mão
eu me eternizo,
sou só sorriso,
Compreensão.

Dona da raiva

A raiva resolveu me invadir hoje,
sem pedir licença,
sem ligar pro fato
de que eu não baixei a guarda.

Tirou-me do sério,
deixou-me como louca,
transtornada,
bradando impropérios
aos ventos.

Nestas horas,
sinto que as pessoas não me ouvem,
não me vêem.
Vêem como a um bicho acuado,
irritado, que não mobiliza,
nem imobiliza,
apenas cai no descrédito.

Nestas horas, não sou eu,
sou apenas um resto do que
outrora eu gostaria de ter sido.
Sou apenas um ser desprezível,
que não se controla,
que não sabe que calar
é muitas vezes mais importante
do que gritar, do que expelir
a raiva contra o outro.

A raiva é teimosa,
esquenta, arrebenta com a voz,
tortura e deixa um gosto amargo
do que foi dito intempestivamente,
sem reflexão,
com o coração exposto,
pronto para ser fatiado
e assado num espeto de churrasco.

A raiva maltrata e machuca os outros.
Mas machuca mais a mim,
que sofro pelo descontrole,
pelo desabafo
mal dado,
mal dito,
maldito!

Hoje a raiva me invadiu,
me tornou insana,
me enfraqueceu a alma.
Me quebrou.

Um segredo

Verdes, laranjas e violetas iluminam
uma pequena igreja que brilha sozinha
emoldurada pelo crepúsculo do anoitecer.
No rádio, um blues romântico embala meus sonhos.

Se eu sonho acordada, não vejo mais nada.
Me sinto inebriada com tantos devaneios...

A igreja, o anoitecer e o blues
compõem um cenário bonito e melancólico
para um sonho de amor.

Fecho os olhos e esqueço
que estou nesse ônibus
rodeada de pessoas que desconheço.
Elas não escutam meu blues,
não sonham o meu sonho,
sequer percebem o cenário a nossa volta.

Não sabem com quem eu sonho, umas tolas.
Nem vêem a boca que eu beijo, os olhos que eu vejo.
Não sabem que mãos enlaçam as minhas mãos,
nem os braços, que me envolvem num forte abraço,
tão reconfortante!

Não sabem de nada. É o meu segredo!

De olhos fechados, seu cheiro me invade,
me toma conta, parece que você está aqui,
ao meu lado, tão real,
tão perto, tão certo.
Quase posso sentir seu hálito, seu perfume,
ouvir o seu riso,
rever a linha da sua mão, tão longa,
tanto para viver...

No blues, a mulher pede mais uma chance...
Mais uma chance.

A paisagem se torna mais familiar...
as ruas, as árvores, as pessoas,
esse lugar que é tão meu.
E não é de ninguém.

Vida real que me chama.
Estou quase chegando.

Acordo sem você desse sonho de amor,
Sabendo que amanhã tem mais.

domingo, junho 04, 2006

A Um Ausente - Carlos Drummond de Andrade

A Um Ausente

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.

Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.


Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.


Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.


Carlos Drummond de Andrade

Invernais

Este ano meu outono amanheceu inverno.

Tempo frio, gelado, solitário, como são os pólos do planeta.

Como um novo hábito, caminho pela cidade que escurece mais cedo, passo apressado, corpo curvado de frio e solidão. Novos amores estão em cada canto, mas não para mim.


Dobro as esquinas e sinto o vento frio e úmido batendo em meu rosto. Não encontro você, nem vejo um rosto amigo sequer. Somos todos estrangeiros nesta fria cidade natal.

Hoje, a atmosfera que nos envolve é tão pouco comovente, tão opressora, tão cerceadora, que não nos resta nada além do silêncio.

Não encontro você, nem quando procuro por ti, nem quando espero pela obra de um acaso que alguns chamam de "destino".

Por todos os lados, vejo cinzas, marrons e negros que vestem a paisagem e as pessoas, também curvadas de frio e pela chuva fina, tão tristes.

Por dentro, ardo. Em febre. Insana.

Olho para as pessoas buscando em seus olhos um pouco de compreensão para esta angústia enorme que é não ter você junto de mim. Não há sinal de compreensão. Não há o que compreender.

Os ventos que te sopram a face e desarrumam teus cabelos enquanto você doma seu cavalo motorizado pelas autoestradas dos pampas, não me trazem o seu perfume, mas não te apagam de mim.

Não me desapego deste amor. Quanto mais te quero, menos tenho você. Quanto mais te chamo, para mais longe você vai.

Por um curto espaço de tempo, achei que era possível, que era para mim, tão possível, que quis mudar tudo para seguir sua trilha pelas estradas nos campos do sul.

Os pampas estão descobrindo tua presença, homem forte, determinado, viril. A neve, quando cai em teus caminhos, te acaricia e te faz mais alvo...branco e sonhador.

Teus sonhos te levam para mais longe e o tempo teima em não passar mais rápido enquanto vais. Por aqui, esta umidade opressora me envolve e me mata, cada dia um pouquinho, de frio e de saudade.

A fórmula para te tirar de dentro de mim talvez a primavera me traga. O sol que vai me dourar a pele e amornar meus dias, me encherá de esperança e me fará ver algo mais na vida além de ti.

Se eu respirar fundo um dia cheio de esperança e puser um sorriso novo em meu rosto, talvez o destino me traga você.

sexta-feira, abril 21, 2006

Jaula solitária

Quanto tempo faz que estou aqui? Já perdi a noção!

Que calor! Meu Deus, estou pingando! De onde vem este ar tão úmido?

Ando para um lado, ando para o outro, ai, a hora não passa, ando para um lado, ando para o outro, ainda são 9:05...!

Onde ele está? Com quem ele está? Estará se divertindo? Estará amando? Estará sozinho?

Ando para um lado, ando para o outro, ai, a hora não passa, ando para um lado, ando para o outro, ainda são 9:07..!

Será que ele está pensando em mim? Será que ele pensa em mim? Será que ele lembra de mim?

Ai, acho que estou pirando! Meu cérebro vai virar um purê!

Ando para um lado, ando para o outro, ai, a hora não passa, ando para um lado, ando para o outro, ainda são 9:09..!

Ai, que calor! Acho que vou tirar esta blusa! Acho que vou tirar esta calça! Acho que quero ficar nua!

Silêncio...escuto um zunido...é uma mosca? Ou um mosquito? Ai, que tortura! Sai, mosquito! Ai, que bicho horroroso!

Cadê ele? Cadê o meu amor!? Ele não podia tirar assim o doce da boca dessa criança! Que angústia, meu Deus! Cadê esse homem?

Ando para um lado, ando para o outro, ai, a hora não passa, ando para um lado, ando para o outro, ainda são 9:11..! Que hora demorada de passar!

Acho que vou me sentar um pouco! Não tem ninguém olhando! Mas, estou nua! Estou nua, tão desprotegida!

Acho que meu cerébro vai mesmo virar um purê!

sábado, janeiro 14, 2006

The Blower's Daughter

Cantor: Damien Rice - canção do filme "Closer"

And so it is
Just like you said it would be
Life goes easy on me
Most of the time

And so it is
The shorter story
No love, no glory
No hero in her sky

I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes...

And so it is
Just like you said it should be
We'll both forget the breeze
Most of the time

And so it is
The colder water
The blower's daughter
The pupil in denial

I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes of you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes...

Did I say that I loathe you?
Did I say that I want to
Leave it all behind?

I can't take my mind off of you
I can't take my mind of you
I can't take my mind off of you
I can't take my mind of you
I can't take my mind off of you
I can't take my mind...
My mind...my mind...

'Til I find somebody new

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Neste final de 2005, início de 2006, duas
versões brasileiras para esta música estouraram
nas rádios. Uma, cantada por Ana Carolina e
Seu Jorge, versão de Ana Carolina. A outra,
cantada por Simone, com melodia mais
próxima da versão original, versão de Zélia
Duncan. Grandes presentes.
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Uma história para contar... (uma trovinha)

Uma história que mereça ser
Contada, revivida, relembrada,
Um amor que mereça uma canção
Que me abrace e me toque o coração...

Como pude querer tanto?
Sonhar tanto? Pensar tanto em você?
Se para estancar meu pranto
Eu sei bem que preciso te esquecer.

Como pude errar tanto?
Ser tão tola a ponto de não perceber
Que como gota d'água no oceano
Eu nada represento p'ra você?!

Eu queria ver apenas um final feliz
Um beijo longo, um abraço apertado,
Passar minhas mãos nos seus cabelos
E ganhar um "eu te amo" inesperado...

Quem sabe se a gente possa se fazer ouvir
Quando se deseja com tanta intensidade
E se os anjos do céu olharem por mim
Vão me fazer esta "pequena" vontade!

Sangue sem Cristal

Este conto é uma contribuição de uma grande amiga minha.
Espero que vocês gostem.
Beijos,
Rebecca


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Sinto-me cego. Tateando. Pelo resto da vida tateando, nesta cela com cheiro acre. As grades já fazem parte do meu corpo, impressas que estão nele. A dor já não é mais dor. Apenas rasga a solidão como a única coisa que posso tocar neste frio de cela. Selado como carta que ninguém quer ler.

Estava estudando como em qualquer das infinitas tardes com o computador. A data da defesa da tese se aproximando. Ela se preparava para sair, cada vez mais linda com a gravidez, olhos sol e barriga a pino. Descobriu esse casal de amigos e eu me sentia seguro. Parecia que com eles ela estava protegida. Jamais entenderia essa ânsia de novos passeios que ela exalava cada vez que se preparava para sair com eles.

Caminhando pela cela percebo a sofreguidão das paredes desenhadas. Não me espanto mais ao tocá-las. São minhas propriedades, meus objetos de estudo agora. O colchão puído e cheirando a mijo complementa o sentido da prisão: excrementos humanos. É isso que nos tornamos aqui dentro, restos.

Havia notado um brilho diferente, novo nos olhos dela. Achava que a amizade do casal mais a maternidade a estavam fazendo bem. Parecia feliz, não me cobrava comportamentos que não sou capaz de ter. Anti-social. Mergulhado no meu aquário, trabalhava e a encorajava a passear, já que com o bebê ficaria mais difícil. Naquela tarde iriam à praia, aproveitar o verão.

Risco a parede com a tinta que sai dos meus dedos vermelhos, sangrando de arrancar frases obscenas em lascas. Escrevo o nome dela com paixão que jamais imaginei: Mara, Mara, Mara. Interminável esta ladainha. Como será minha filha? Mil vezes me perguntei, sem resposta. Como ela se parece, qual o seu nome, onde o espaço vazio de mim onde ela mora? Pedaços de mim caem pelo chão fétido da prisão.

Estava no computador escrevendo as últimas linhas quando a campainha tocou frenética, acompanhada de chutes. Era a amiga dela, transtornada, chorando e cuspindo frases confusas na minha cara. Não eram frases, eram espadas.

Há cicatrizes que nunca fecham, Meus dedos não são mais dedos, são sal. As lágrimas tornaram-se um difícil ponto final. Agora, só as reticências dos eternos sangramentos daquelas espadas que me lançaram. Posso sentir o final próximo, minha alma vagando pela cela enquanto meu corpo permanece estirado no colchão úmido.

Cuspindo cada vez mais em minha face, a mulher dizia coisas que me deixavam confuso. Podia apreender apenas algumas palavras. Grávida. Adúltera. Traiu você. Meu marido. Fim. Traiu. Traiu. TRAIU... Levei tempo para encaixar as peças. Quando pude compreender o significado daquele espetáculo, senti que deixaria de ser espectador para atuar no palco da traição de minha mulher. Notei que jamais entenderia o por quê. Quando pude me mover novamente, a atiradora já tinha ido e apenas a traidora me olhava assustada, mãos na barriga de seis meses de gravidez. Pavor em seus olhos. Vazio nos meus. Não disse nada. Não fiz nada. Apenas caminhei para a janela. Queria ver o mar, e nele o reflexo dos olhos dela já pareciam remotos e inconstantes. Com gosto de sal na boca pude perceber o desespero dela atrás de mim, quando novamente a campainha tocou.

Já não consigo mais catar meus pedaços pelo chão. Minha alma já não me obedece mais nesta necessária reclusão. Grades por todos os lados. Sangue. O cheiro agora é insuportável. O cheiro sobre os meus ombros sugere uma cruz. Começo a rezar.

Ele invadiu o apartamento dizendo que levaria minha mulher com ele. De repente tive a exata noção do que sou: um animal acuado que, inesperadamente decide reagir. Parti para cima de minha presa com garras jamais pensadas. Pela minha filha, pela minha mulher, pelo homem que nunca fui. Cuspi nele as mesmas espadas que estavam cravadas em mim. Cuspi não, enterrei. Em seus olhos e peito e pernas e sexo, enterrei. O sangue escorreu pela sala junto com as lágrimas de Mara e a bolsa d’água rompida por mim.

Obedecendo à reza, minha alma retorna. Não posso pedir perdão - já não há perdão. Não sou o homem que sou. O sangue escorre pelas grades enquanto os guardas se movimentam naquele fim de tarde de verão.

domingo, janeiro 08, 2006

A ficção e a vida real

Nem sempre temos tudo que queremos ter. A estória relatada no texto "Pessoal e intransferìvel" esteve muito perto de se realizar comigo.

Mas este homem foi embora, já se vão cinco anos. Nunca mais tive notícias dele.

Eu acho que ele deve estar por perto. Me observando. Um dia ele aparece. E aí, nós vamos conversar.

Rebecca

Pessoal e intransferível

Cheguei ao escritório e bati na porta. Três vezes. Aguardei que alguém viesse atendê-la. Era tarde da noite e eu esperava que ainda houvesse alguém lá, que tivessem algum projeto urgente para entregar. Meu coração esperava.

Após certa demora, um rapaz baixo e franzino atendeu a porta. Olhou-me com espanto...com a minha nítida condição de ansiedade. Trocamos algumas palavras e ele convidou-me a entrar. Cumprimentei a todos, como de costume. Algumas caras me eram conhecidas; outras ainda não. Fui apresentada a alguns, outros me receberam com indiferença.

O novo escritório tinha ficado realmente muito bom, a disposição dos móveis estava ótima, tudo era amplo e arejado. A ante-sala estava bem decorada. No dia anterior, eu havia mandado entregar um vaso de bouganvilles e, ao entrar, os havia reconhecido na mesa de canto, ao lado do sofá, enfeitando a sala.

Não haviam mulheres no local. Meus olhos rapidamente percorreram a sala buscando encontrá-lo. Lá estava ele, no meio de muitos papéis, falando ao mesmo tempo ao celular e ao telefone fixo. Sorri ligeiramente e acenei com a mão. Senti rapidamente meus lábios ressecarem. Passei minha língua por eles para umedecê-los, numa atitude discreta. Ele, porém, estava me observando atentamente e viu tudo...era hábito.

Podia jurar que ele havia descoberto uma forma de ler meus pensamentos. Sabia, inclusive, quando os meus batimentos cardíacos aceleravam. Tínhamos uma intimidade inexplicável.

Rapidamente, ele se desvencilhou dos telefonemas e papéis e caminhou em minha direção. Foram poucos passos, foi muito tempo.

Todo o tempo do mundo entre nós era muito, era uma eternidade. Ele entendeu, sem eu dizer, que eu pedia socorro. "Socorro, salve-me da minha vida", eu pensava, sem ter coragem de pronunciar palavra alguma. "Leve-me contigo, para onde quiseres".

Ele me pegou pela mão e me conduziu até uma pequena cafeteria, perto dali. "O que você tem?", ele perguntou. "Onde você está agora, em que mundo?" "Eu estou aqui", respondi, "com você". "Queria mudar tudo e ficar aqui para sempre", pensei.

Tomamos um café e, o tempo todo, ele me olhou fixamente. Quando saímos, perguntei-lhe se ainda tinha muito o que resolver. Ele disse que não e fêz um sinal de que "era todo meu".

Sem trocarmos palavra, seguimos em direção a casa dele. Caminhamos lado a lado, em silêncio, durante uns quinze minutos. Outra eternidade. Senti meu coração disparar outras tantas vezes. Senti que, pouco a pouco, o coração dele ia batendo no ritmo do meu. Nós queríamos privacidade, queríamos estar longe de tudo e de todos, num lugar só nosso. Tínhamos muito a nos dizer, apesar de não sabermos porque aquilo estava acontecendo agora e se era prudente acontecer.

"O que dizer do futuro?", pensei.

Ele abriu a porta, suavemente. O longo corredor até a sala revelava alguma luminosidade ao seu final. Ela um pequeno abajour que permanecia aceso para guiá-lo ao chegar em casa, tarde da noite.

Ao fechar a porta, ele virou-se para mim, passou a mão nos meus cabelos, depois no meu rosto e repetiu: "Que saudade! Que saudade! Quanto tempo!"

Tempo? Cinco longos anos. Uma vida inteira.

Trocamos um beijo, intenso, acelerado, febril. Ficamos um longo tempo abraçados, como um só. Eu agora já estava bem.

Senti aquele momento profundamente. Tinha medo das consequências, da vida que continuava, mas desejava como nunca estar com aquele homem.

Nós permanecemos juntos aquela noite. Fizemos amor, no real sentido da palavra. Eu fui só dele; ele, só meu. Diversas vezes.

Pegamos no sono já era dia claro. Não queríamos que a noite acabasse. Mas, acabou.

De manhã, ele se vestiu como se veste alguém que tem uma batalha para enfrentar. Olhou-me novamente com ternura...não, com amor. Como de hábito. Esperou que eu me vestisse e nós descemos.

Na esquina, havia um chaveiro. Ele puxou o molho de chaves e mandou copiar uma delas. Aguardamos pacientemente embaixo de um sol escaldante. Por fim, ele tomou a chave e entregou-me. "Esta é sua", disse. "Sem cobranças, sem 'por ques', sem 'e agoras'!", completou.

"Volte quando quiser", falou por fim.

Eu consenti, sabendo que, depois daquela noite, a minha vida teria que ser diferente. E parti.

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Este texto foi escrito no dia 14 de outubro de 2000.
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