sexta-feira, julho 27, 2007

Um pouco de coragem...

I
Eram exatamente cinco horas em ponto quando ela desceu a plataforma do metrô. Teve tempo de olhar o relógio, pois o trem acabara de partir e ela já sabia, por experiência, que, naquele horário, um novo trem levaria cinco minutos para chegar. Enquanto isso, ficou se distraindo com os detalhes daquele ambiente antigo, talvez porque aquela tivesse sido uma das primeiras plataformas a serem construídas na cidade. Duas escadas, lado a lado, lajotas retangulares de cor creme, a mesma música clássica de sempre, piso emborrachado negro, duas vias paralelas, uma para o trem que segue em direção a Zona Sul, outra para o que vai para a Zona Norte.

Já se iam oito meses que eles estavam separados. A saudade, que em alguns dias era maior, noutros menor, naquele chegava a doer. Ela ficava se perguntando: "será possível perdoar alguém sem que seja possível esquecer o que esta pessoa lhe fez"? Ela sabia que o que havia feito a ele tinha sido muito grave, aos olhos dele, e que dificilmente, ele conseguiria passar uma borracha sobre tudo que aconteceu e aceitá-la de volta. Mas isso era exatamente o que ela mais desejava, o que ela pedia a Deus todos os dias, um perdão. Depois do relacionamento que tivera com ele, ela tentou outros relacionamentos furtivos, bobos até, sem maiores conseqüências. Alguns serviram para provar que ela ainda era muito boa de cama. Outros se tornaram entediantes, já que o diálogo, quando existia, era de péssima qualidade. Enfim, nada, nem ninguém, conseguia tirá-lo de dentro dela... E ela estava cansada de tentar esquecê-lo, de tentar descobrir uma fórmula para esquecer um grande amor com outro amor (não era isso que suas amigas sempre lhe diziam?)...

Pensando nisso tudo enquanto olhava para aqueles cartazes de propaganda que enfeitavam (ou enfeiavam?) a parede da estação, percebeu que o trem, que seguia para a direção oposta a que ela pretendia seguir, aproximava-se da estação praticamente vazio. Nem parecia que eram cinco da tarde (cinco e três, para ser mais precisa). E ele estava lá, dentro do vagão que estacionou em frente a ela. Sozinho, de costas, de pé. De pronto, ele não a viu, mas como se tivesse sentido a sua presença, virou-se na direção dela. Quando descobriu ela ali, do outro lado da estação olhando para ele, ficou sem ação, sem graça, e abaixou a cabeça. Depois, a levantou ligeiramente, olhou novamente para ela e sorriu com o canto da boca, meio sem saber o que fazer. Ela, emocionada, queria fazer um gesto qualquer, queria pedir a ele que lhe telefonasse, mas, ao contrário, nada fêz. Continuou de pé, olhando para ele, sentindo seu coração acelerar e temendo que, a qualquer momento, ele pudesse sair-lhe pela boca. O trem fechou as portas e começou a acelerar. E foi sumindo dentro do túnel escuro.

Cinco e quatro. O trem dela começava a aproximar-se. Ela já estava atrasada para o seu compromisso, mas, mesmo assim, assistiu ao trem chegar a plataforma, abrir as portas, deixar passageiros, receber novos deles, e partir. E continuou imóvel, torturada por sua total falta de ação. Uma lágrima escorreu pelo canto dos olhos e ela tentou disfarçar para que não vissem que ela estava chorando. A maquiagem borrou um pouquinho, mas ela logo conseguiu consertar a “máscara”. "Como alguém que quer tanto uma chance pode deixar que ela escape assim, por entre os dedos"?

Cinco e oito. Um novo trem se aproximava. Recomposta e decidida a aproveitar a próxima oportunidade, ou a descolar uma para dar uma ajudazinha no destino, ela resolveu que iria seguir neste trem, pois seria de muito mau gosto deixar suas amigas esperando.

Quando a porta se abriu, lá estava ele, de pé, olhando para ela. Estendeu-lhe a mão, praticamente pedindo que ela entrasse no vagão. Havia descido na estação seguinte, retornado e ficara torcendo, no seu íntimo, para que ela não tomasse a composição que aparecesse imediatamente, dando-lhe tempo de chegar ao seu encontro. Aquele tempo longe dela havia sido muito difícil para ele também e ainda doía muito saber que ela o traíra com um antigo namorado, ainda mais por ter sabido da história por ela mesma.

Ela entrou no vagão e ficou olhando para ele. “Para onde você está indo?”, ele perguntou. “Para a estação do Flamengo, encontrar com a Lúcia, a Bella, a Renata e a Malú, lembra delas?”. “Claro que sim”, ele fitou seus olhos, “então temos alguns minutos para conversar”... “Que bom que você voltou”, ela lhe disse, ainda emocionada... “Estava indo para casa?”. “Não, não moro mais por aqui. Estava vindo apenas checar se havia alguma correspondência para mim com o porteiro. Mas, posso fazer isso outro dia”. A respiração dele também estava bastante ofegante. “Como você está?”, ele sussurrou para ela. “Na verdade, estou indo. Está tudo na mesma. Continuo com o mesmo trabalho, no mesmo apartamento, saindo com as mesmas amigas. Mas, sinto muito a sua falta, esse sentimento é novo”, ela respondeu em tom confessional. “Será que não poderíamos tentar ser amigos? É muito difícil?” “É! Você nem sabe quanto!”, ele retrucou.

Então, eles ficaram um bom tempo se olhando, como se ali não houvesse mais ninguém, ignorando o vai-e-vem das portas, como se quisessem fazer algo que não pudessem. Como se o certo fosse errado e o errado fosse o mais certo possível. Estavam tão próximos, que ela podia sentir seu hálito quente, seu perfume fresco e agradável, amadeirado, sua respiração. Ele estava suando frio, podia perceber. Olhava para ela como que se quisesse lhe dizer alguma coisa, mas não disse.

Ela respirou fundo e pediu: "Se você mudar de idéia, me liga?" "É claro", ele respondeu. Ela então beijou-lhe o rosto e desceu na estação do Flamengo, deixando um ex-namorado para trás, visivelmente perturbado com o encontro.

II
Encontrar as amigas era um costume freqüente de Rafaela. Pelo menos uma vez por semana, em geral aos sábados, elas se encontravam para fazer um lanche e colocar o papo em dia. Na maioria das vezes, conversavam sobre namorados ou potenciais namorados. Às vezes, sobre “ficantes”. Esporadicamente, sobre trabalho. Elas eram amigas há muito tempo, desde os tempos da faculdade. Cada uma tinha seguido o seu caminho. Não trabalhavam na mesma empresa, mas tinham mantido a amizade. Quanto mais o tempo passava, mais elas tinham a certeza de que tinham umas as outras.

Rafaela parecia um pouco distante para as amigas naquele dia. Apesar de ser a mais tagarela, ela pouco abriu a boca. A conversa foi entremeada por “hum, hum”, “hã, hã” e outros murmúrios, e ela sequer chegou a emitir sua opinião quando Bella contou ao grupo que estava pensando em largar o emprego para cuidar exclusivamente da casa, do marido e das crianças, uma atitude impensável para Rafaela tempos atrás, quando ela teria sido a primeira a bater boca com a amiga, alegando que isto não era atitude digna de uma mulher do século XXI. Elas eram “balzaqueanas” agora, sentiam o peso da idade, mas adoravam ter a experiência que os trinta anos traziam.

Rafaela estava longe. Só conseguia pensar no encontro com Cezar, em como ele a havia olhado, em como ela gostaria de ter lhe abraçado e confessado que ainda o amava, correndo o risco de ser novamente desprezada por ele. Pensava também se deveria contar para as amigas sobre o encontro no metrô, por um lado temendo pela reação delas, por outro, querendo um conselho, uma direção, uma palavra que lhe servisse de amparo.

O lanche não se estendeu muito naquele dia, porque, coincidentemente parecia que todas elas tinham mais o que fazer. As amigas se despediram e Rafaela resolveu que ia andar até o Museu da República, para espairecer e pensar um pouco. No caminho, pensava se Cezar ia conseguir perdoá-la e telefonar para que conversassem um pouco mais. “Mas como perdoar, se ele não consegue esquecer?”, ela se perguntava. E ela, será que já tinha se perdoado pelo que tinha feito? Por que às vezes temos a impressão de que o desejo sexual por uma pessoa é mais forte do que o amor que sentimos por outra? Por que as pessoas não pensam nas conseqüências antes de agir por impulso?

Chegando ao Museu, percebeu que ele estava fechado. Os funcionários estavam em greve, já há dois meses, e Rafaela havia esquecido completamente deste detalhe. Não lhe restou muita opção a não ser tomar novamente o metrô em direção a Tijuca. Talvez tivesse vontade de andar um pouco mais e descesse no caminho.

III

“Por que é tão sério quando o traidor é a mulher, e tão mais fácil de aceitar quando quem trai é o homem?” Rafaela sabia que essa sua pergunta podia ser vista como uma tentativa desesperada de se desculpar, ou de minimizar o problema, mas o fato era que a sociedade perdoava mais facilmente um homem que trai do que uma mulher que o faz.

Ela foi para casa e ficou pensando no encontro, pensando em quantos dias Cezar ia levar para tomar uma atitude e telefonar, pensando se Cezar ia tomar uma atitude qualquer, ou se virar a página daquele relacionamento tinha sido a sua primeira e irreversível decisão. Lembrou-se do quão difícil fôra definir que o relacionamento que mantinham era um namoro. Ficaram juntos dois anos até começar a dizer para os amigos que estavam namorando. Disseram-se amigos por muito tempo e quando assumiram seu relacionamento, sentiam que já se conheciam muito bem. Ela sabe o quanto deve ter feito Cezar sofrer com aquela revelação, já que tudo ia bem, que eles estavam bem, se gostavam, se curtiam, saiam bastante e ele não havia notado nada de diferente nela. Nem ela sabia como ele não havia notado nada de diferente nela. Talvez ele simplesmente não quisesse notar que ela estava diferente e distante no final.

IV

"Por que razão eu não percebi que estava acontecendo algo no final do nosso namoro? Ouví-la confessar que me traía foi pior do que descobrir por mim mesmo, me mostrou o total desconhecimento sobre aquela mulher, aquela que eu dizia que amava, aquela que eu achava que conhecia bem, que queria para mim, para o resto da minha vida". Do outro lado da cidade, Cezar estava pensando, pensando, pensando em Rafaela, desde a hora em que ela se despediu dele com um beijo no rosto e ele ficou desejando que tivesse sido na boca, quente, molhado, como era antes.

O que era adequado fazer nestas situações? Encarar o fato de que ele ainda não estava preparado para viver longe dela ou suportar a dor da saudade e evitar os reencontros? Como afinal aquele encontro casual fôra acontecer? Por que, de fato, ele havia decidido voltar e encontrá-la? Por que ele teve tanta certeza de que ela estaria lá, parada, aguardando o próximo trem? Será que ele estava preparado para ser só amigo?

V

Quando o telefone tocou três vezes e parou, Rafaela percebeu que teria que ser rápida na próxima vez e atender. Era o Cezar do outro lado, ela sabia, e ele poderia desistir, se ela não atendesse rapidamente.

O telefone tocou novamente e ela imediatamente atendeu. "Alô!", disse afoita. "Alô! Rafa, é você?" Bingo! Era ele. Dois dias haviam se passado até que algo mudou. Ele ligou. Parecia que ele tinha muito pouco a dizer, mas muito para falar. E queria ouvir também. "Vamos nos ver?", ele pediu. "Claro, onde?" "Olha, abriu um bistrô muito simpático aqui perto de casa, na Rainha Guilhermina, a gente pode se encontrar na esquina da Rainha com a General San Martin, você conhece?" "Conheço, te encontro em 40 minutos, pode ser? É o tempo de me arrumar e tomar um taxi!" "Pode. A propósito, o que você está escutando? É a Norah?" "É, 'Come Away With Me', seu disco favorito, lembra?" "Lembro. Engraçado, eu não escuto este disco desde que a gente se separou!"... "Eu também não o escutava há bastante tempo, mas hoje me deu vontade de ouvir 'Turn me on'. Você lembra como eu gostava de transar com você ouvindo esta música?" "Lembro... mas vamos deixar para conversar pessoalmente? Estou te esperando! 40 minutos. Não se atrase. Beijo".

Quando ela desligou o telefone, nem acreditou que aquilo tinha realmente acontecido. "Será que estou sonhando?" Então, ela começou a travar uma batalha muito pessoal: "com que roupa vou a este encontro?" Não tinha muito tempo, tinha sido muito otimista em dizer que conseguia chegar lá em 40 minutos. Começou a se lembrar do que a fazia sexy para Cezar, antes daquela confusão toda com Marcelo. Depois, lembrou-se de que o que ele mais apreciava era o seu jeito natural, pouca maquiagem, roupa confortável, cabelos molhados. Foi por este caminho. Escolheu uma roupa confortável e caprichou nos acessórios...e pôs um bom perfume. Ligou para a cooperativa de taxis que fazia ponto próximo a sua casa e pediu um que tivesse ar condicionado, para os próximos 10 minutos.

Quando o taxi chegou, viu que o motorista já era seu velho conhecido. Ele já a tinha visto chorar várias vezes dentro daquele taxi nos últimos oito meses, e naquele dia, pôde perceber que ela estava feliz. Ansiosa, mas feliz. Pediu que a levasse para a esquina onde haviam combinado o encontro, e que fosse pelo caminho mais curto, pelo amor de Deus, que ela não podia se atrasar. Ele até quis perguntar o que havia acontecido para trazer àquele rosto um novo sorriso, mas acabou achando que seria muito atrevimento. Ela seguiu calada até o final da viagem...sonhando acordada com o que iria acontecer.

VI

"R$ 45,00? Nossa, essa 'bandeira dois" é cara mesmo, heim? Toma, pode ficar com o troco. Valeu! Até a próxima!"

Ao chegar a esquina de General San Martin com Rainha Guilermina, nada do Cezar. Já havia se passado 50 minutos. Ele não poderia estar atrasado, já que disse que esta esquina ficava próxima a sua nova casa. "Quem diria, ele que dizia que nunca moraria na Zona Sul, veio parar logo no Leblon?"

Ficou andando de um lado para o outro, olhando as vitrines do Shopping e nada do Cezar. "Será que ele desistiu de me esperar e foi embora?" À medida que o tempo ia passando, ela ia se angustiando cada vez mais. Afinal, resolveu tentar o celular dele para ver se algo havia acontecido.

VII

"Alô, Cezar? Sou eu, Rafa, cadê você? Desistiu de me esperar?"

Cezar estava olhando para ela do outro lado da rua há uns 20 minutos, em pé, no balcão de uma lanchonete, tomando coragem para atravessar. Ver aquela que fora a sua mulher descer do taxi e ficar andando de um lado para o outro na maior ansiedade, deixou-o ainda mais confuso e inseguro. Ele tinha demorado tanto tempo para tirá-la da cabeça, não podia ser tão tolo de tentar recomeçar aquela história agora. Por que será que seu coração era tão insano?

"Oi, Rafa, não, não desisti, não! Estou chegando, é que eu tive um imprevisto. Me espera cinco minutos". Pagou a conta e atravessou a rua. Foi tão descuidado que quase foi atropelado, mas ela sequer percebeu a confusão.

"Rafa"..."oi, cheguei". "Oi, Cezar, que bom que você veio." Os dois se cumprimentaram educadamente, formalmente até, e foram caminhando lado a lado pelas ruas do Leblon, em direção ao tal bistrô. Cezar havia escolhido um lugar tranqüilo para que conversassem, mas sabia que a conversa não ia ser fácil.

"E então, agora você acredita que podemos ser amigos?", perguntou Rafaela. Cezar balançou a cabeça negativamente, para surpresa dela. Depois de pensar um pouco, ele respondeu: "Eu nunca quis você para minha amiga, nem na época em que nos dizíamos amigos para os nossos amigos". Então foi Rafaela que não soube o que dizer ("O que ele quer com este encontro, afinal? Me pregar um sermão? Me culpar novamente por tudo o que aconteceu?").

"Então... o que vai ser?", perguntou o garçon. "Para mim um capuccino, para ela, café expresso, com creme. Adoçante, por favor", Cezar tomou a liberdade de pedir, visto que sabia de cór o que ela gostava de beber. "Você vai querer comer alguma coisa? Aqui eles têm umas empanadas deliciosas, fora as tortas". "Não, obrigada, estou tentando uma dieta agora".

"Bom, eu liguei para você por que acho que tínhamos que conversar. Depois que nós terminamos, não tivemos mais a chance de conversar. Naquele nosso encontro no metrô, senti que estávamos precisando de perdão. Eu precisava te perdoar pelo que você fêz, precisava me perdoar pelo que eu não fiz, precisava nos perdoar por não termos insistido e por termos desistido tão facilmente... O fato é que eu achava que você era a mulher da minha vida. E achava que o Marcelo era um amigo, ele não podia ter feito isso comigo, nem com você... Aliás, por que vocês não estão juntos agora? Não era o que ele queria?"

"Não, não era. Ele só queria provar que, apesar de estar com você, eu ainda gostava dele. Só isso", respondeu Rafaela, meio envergonhada com a pergunta.

"E era verdade? Ele conseguiu o que queria, não foi?"

"Não, o que eu sentia por ele era algo inexplicável, até para mim. Mesmo sabendo que aquilo não daria em nada, visto que não deu por cinco anos, eu não consegui resistir a ele, não consegui ser mais forte do que ele, e sucumbi ao desejo"... "Mas eu estava muito bem com você, muito melhor do que estive nos cinco anos que estive com ele, tenha certeza disso."

"E depois ele te dispensou?", perguntou Cezar.

"Não, nós dois chegamos a conclusão de que aquilo era novamente um erro. Muito rapidamente percebemos o tamanho da besteira que estávamos fazendo. Mas, para mim, já era tarde demais"... "Depois, conversando com o André, fiquei sabendo o quanto você havia sofrido. Foi tanto, que eu não pude acreditar. Você foi tão frio quando eu te contei o que estava acontecendo... realmente, acho que você merece um Oscar por sua atuação...eu não percebi que aquilo estava te afetando tanto, não percebi mesmo"... "Mas, eu nunca achei que o Marcelo não era nosso amigo...ele é apenas um cara egoísta e egocêntrico, e sempre vai pensar nele primeiro"...

"Então não serve para meu amigo. Aliás, eu me mudei para cá para começar de novo, fazer novas amizades, me livrar daquela perspectiva insana de esbarrar com vocês a qualquer momento"...."Estou gostando, morar perto da praia é realmente um luxo. Faço caminhadas todos os dias."

"É, você está muito bem, em ótima forma".

De repente, o que ela temia aconteceu, um tremendo silêncio se estabeleceu entre eles. Ela mal conseguia olhar nos olhos dele e ele estava ali, quieto, bebendo o capuccino, sem dizer palavra. Minutos depois, ele perguntou se ela não queria continuar a conversa no calçadão. Ela não estava em condições de discordar, queria apenas que aquele encontro se perpetuasse, que fosse para sempre.

Era inverno, estava frio. Ele passou o braço por suas costas, como fazia quando eram namorados, e, quase que automaticamente, enrolou o dedo em seus cachos, devagarinho. Ela sentiu uma sensação tão acolhedora, ele ali, o mar, um dia de sol fraquinho e um pouco de vento, a paisagem perfeita. De repente ela parou de andar, passou a mão pelo seu rosto e o beijou na boca, da forma como ele gostava, docemente, mas, ao mesmo tempo, quente, um beijo molhado e cheio de desejo. Ele não resistiu e se entregou a ela.

E eles ficaram ali, compondo a paisagem, sem dizer mais nada, se perdoando.

VIII

Cezar fêz sinal para um taxi qualquer e disse que ligava para Rafaela. Ela entrou no taxi e disse que ia esperar. Se foi só o encontro derradeiro, o tempo ia dizer. Quem teria mais coragem para recomeçar aquela história? Quem seria capaz de confiar depois de tudo? Qual o preço a pagar? O tempo... o tempo ia dizer.

quarta-feira, julho 25, 2007

Solidão padronizada

Ela estava sentada de frente para a grande janela de sua sala olhando para a paisagem lá fora, às quatro da tarde de uma quarta-feira, pensando porquê ela estava em casa, apesar de estar de férias. Chovia e ventava muito, mas há muito tempo ela sabia que não era feita de açúcar. As férias não haviam saído como ela havia planejado, mas ela precisava daquele tempo para repor as baterias, para descansar, ficar um tempo longe do trabalho, das infindáveis preocupações de todos os dias...era preciso ter um tempo para ficar de bobeira, fazendo nada, mas de forma consciente, sem se preocupar com o que estava para acontecer no dia seguinte.

Não conseguira planejar uma viagem. Então acabou ficando em sua cidade mesmo, sem dramas. Na cabeça, um pensamento insistia em voltar: por que ele sumiu? Por que não deu mais notícias? Por que ninguém mais fala nele? Nem parecia que ele estava para voltar...

Com estes pensamentos insistentes em sua cabeça, ela começou a se questionar sobre os seus padrões: por que será que ela sempre insistia nos mesmos caras, nos mesmos tipos? Por que sempre se interessava por aquele cara enigmático, com tão pouco amor e carinho para oferecer? Era sempre o cara mais velho, mais bonito, mais inatingível!

Será que este era o padrão: gostar de quem é inatingível? Muitas vezes, ela se perguntou se este era um problema que só ela possuía, que talvez, em seu lugar, a maioria das mulheres já tivesse desistido há muito tempo de um cara como este. Mas, ela não, ela continuava sentindo saudades dele, fantasiando uma vida juntos, como namorados, como amantes, nem ela sabia mais de que forma.

Será que todas as mulheres sempre seguem um determinado padrão para buscar seus homens? Há aquelas que buscam os desprotegidos; outras querem alguém que as proteja. Algumas buscam um homem para competir, outras um eterno romântico, tem também aquelas que não suportam “grude”, sentem-se perseguidas, enaltecidas, endeusadas e odeiam isso. Enfim, todas buscam um padrão: seja um homem mais forte, ou mais fraco; mais romântico, ou mais frio; mais doce, ou mais rude. E eles? Também estão atrás de um padrão de mulher ou querem apenas ter ao seu lado uma mulher com quem possam testar a sua virilidade?

Eram muitas perguntas sem resposta. Do lado de fora, o tempo piorava. Ela então decidiu que, se era para continuar sozinha e em casa, teria que buscar alguma companhia. Acendeu um cigarro e abriu uma garrafa de vinho tinto... seco. Ficou saboreando o vinho, pensando, ao mesmo tempo, que sem o maldito tabagismo talvez ela pudesse apreciá-lo muito mais. No fundo, no fundo, queria afastar da cabeça mais um pensamento estranho que insistia em perturbá-la: qual seria o padrão de mulher dele agora? Como seria esta tal namorada que o faz tão feliz atualmente? E por que é tão difícil conviver com o fato de que ele não está mais sozinho e está muito feliz – sem ela?

Durante muito tempo, foi difícil ter que assumir que ele era gato, que estava no auge da idade, apesar de dez anos mais velho, e que muitas mulheres ficaram interessadas nele quando souberam que ele era o mais novo solteiro da praça. Foi difícil ter que competir com todas elas, e mesmo quando ela percebeu que era a “dona do pedaço”, não soube como agir, nem como afastar estas predadoras vorazes. Rapidamente, ela o perdeu, ou pelo menos perdeu o encantamento.

De fato, ele não soube lidar com a insegurança dela, buscava alguém que estivesse disposta a tudo, que fosse com ele para onde a vida mandasse, sem medos, dúvidas ou questionamentos. O futuro, nós construímos, ele dizia. Ela o perdeu, sem sequer tê-lo tido. Foi tudo muito rápido. Quando ele se foi, ela pensou que fosse perder o chão, que a vida fosse acabar. Hoje ela estava ali, pensando em como ia ser quando ele voltasse, no quanto isso ia mexer com os seus instintos femininos, o quanto ia doer vê-lo com outra pessoa e feliz.

O cigarro acabou, ela acendeu outro. O silêncio só não era absoluto porque ela podia ouvir o barulho do vento forte e da chuva batendo na enorme janela. Repôs o vinho em sua taça de cristal e ficou ali, bebericando. O futuro, nós construimos, ela repetiu... e pegou o telefone.