domingo, setembro 09, 2012

De algum lugar no passado

Ela abriu um livro e lá estava ela. Uma dedicatória rabiscada. Como letra de médico. Escrita há tanto tempo, parecia ser uma dedicatória de outra vida. Quando olhava para trás, não se reconhecia na moça para quem haviam sido endereçadas aquelas palavras.

Querida,
Não tenho pressa, mais cedo ou mais tarde sempre encontraremos nossos caminhos. Espero que os nossos sempre se cruzem.
do seu amigo,
José
jan/96

O livro? Demian, de Hermann Hesse. De birra, picuinha, ela nunca leu o dito. Deixou esquecido na estante. Não sabia porque ele havia escolhido este autor, nem este título. Aliás, mal se lembrava de onde havia surgido aquela paixão avassaladora.

O fato é que em janeiro de 1996, ela já havia virado a página, já estava em outra. Havia cansado de esperar por alguém que tinha grandes dificuldades em tomar decisões. O tempo passou, e seu cérebro tratou de apagar os traços de seu rosto, o tom da sua voz, seu número de telefone e endereço, que ela sabia de cór... enfim, foi apagando o amor assim como ele fez com ela.

Agora, lá estava ela, que por uma coincidência, havia encontrado uma foto dele numa busca no Google, e ele estava vivo. Depois de tanto tempo desaparecido, descobriu, com as poucas informações de que dispunha, que ele estava ao alcance de um telefonema. Ou um e-mail.

Talvez, sempre estivera ali, ao alcance da mão, ela é que não quis remexer naquele lodo por todo esse tempo. Foram 16 anos sem vê-lo. Agora, uma foto, um clique, e pronto. Ele era professor e talvez tenha até mantido seu lado empresarial.

Talvez tenha sido esse o jeito que ele encontrou para sobreviver àquilo tudo, indo embora, recomeçando do zero, saindo de cena.

Não, talvez não tenha sido coincidência. Talvez, do mesmo modo que ela o encontrou ali, ele a tenha chamado telepaticamente, por tê-la visto em fotos recentemente, por ter feito ele uma busca ao seu nome, talvez...

Como algo que nunca foi encerrado, e que não merece ser remexido, esse contato talvez deva mesmo ficar pra uma próxima... vida.



Música do dia: "Impossível acreditar que perdi você" - versão do Toni Platão

Dois abraços, quatro braços

Chegou ao consultório sem pensamentos prévios. Deixou-se cair na cadeira e desabou a chorar.

Seu terapeuta esticou o braço para oferecer-lhe uma caixa de lenços de papel. "Chore, faz bem".

Ela não queria chorar. Tinha estado ali por longos anos, falando das mágoas, dos anseios, das dúvidas, dos medos e, de repente, quando tudo que ela queria podia se realizar, ela havia resistido mais uma vez.

Não tinha como contar. Sentia vergonha de si mesma. Quanto mais pensava na cena, mais ela se sentia infantilizada, incapaz de lidar com seus sentimentos sem a muleta do terapeuta para lhe explicar as coisas.

"Ele me abraçou, eu me desvencilhei do abraço". Quanto mais ela falava, mais as palavras pesavam. E sua voz amargava.

"Ele me puxou e me abraçou de novo. Queria me acalmar. Mostrar que estava ali, ao meu lado. Eu quis beijá-lo. Do contrário, dei-lhe a mão e reafirmei nossa parceria. Somos amigos, reforcei, olhando nos seus olhos."

O terapeuta ouviu-lhe com cuidado. Já não sabia mais quantas vezes a tinha visto declarar que o amava,... mas que amor era esse que não se realizava?

"Eu tenho medo de perdê-lo..."

Mas como é que se perde o que não se tem?

Ela chorou muito, a ponto de ficar com a cara inchada. O terapeuta ainda tentou extrair mais alguns fatos que justificassem o medo que ela tinha dele.

Seria por se sentir dominada por ele? Seria por adorá-lo, muito mais do que ele merecia? Por que? Qual a causa?

Ao encerrar a sessão e se encaminhar para a porta, pensou nos longos anos, no dinheiro investido, e na pessoa medrosa que era. Limpou o rosto de todas as lágrimas, e pensou que nunca mais voltaria naquele consultório.

"Se não consigo mudar sozinha, ao menos tenho que mudar de terapeuta"...

sábado, setembro 08, 2012

Não...

Não me diga que não sabe do meu amor.


Dele, não faça pouco.

Não me peça tudo que eu posso te dar. Eu dou. E você ainda quer mais.

Não esgarce a corda que nos segura, não esfarrape o pano de magia que nos envolve.

O amor é belo, mas frágil. É sentimento rico, mas instável.

É teu, mas orgulhoso que só, pode mudar de direção.

Não me diga que não sabe do meu amor. Não diga.



Música do dia: I'm not in love -10 cc