quinta-feira, janeiro 31, 2008

Livros, livrarias, sonhos e fantasias

Estive na Livraria da Travessa de novo hoje, em menos de uma semana, mas não comprei nada. Nenhum livro, nenhum DVD, nenhum CD, de tão imersa que eu estava na leitura do "A sombra do vento", livro sensacional do Carlos Ruiz Zafón. Simplesmente A-D-O-R-E-I !!!!



Fazia tempo em que eu não ficava tão ansiosa para saber o final de um livro. Tenho que confessar que quase apelei e fui direto para o final, mas este é um livro para ser saboreado. Quando o comprei, ele não me foi vendido como policial, mas ao descobrí-lo como tal, qual não foi a minha surpresa ao me saber afiada ainda: consegui matar algumas das charadas importantes do livro, algumas até que relativamente difíceis descobrir! Bom, não sei se as pistas eram propositais, mas, ..., enfim, o livro é ótimo mesmo e eu adorei a sensação de ir descortinando todos os mistérios pouco a pouco!

Mas, hoje, lá na livraria, depois de passear por entre aquelas estantes, ler trechos de livros do Caio Fernando Abreu e de outras figuras, fiquei me imaginando lá, segurando um exemplar de um livro meu, que pudesse tocar o coração das pessoas, me lembrando da história do "A Sombra...", que também é sobre livros. E da frase dita mais de uma vez por seus personagens: "O livro é como um espelho: o que você vai encontrar naquelas histórias é apenas um reflexo do que você é..."

Será que o espelho que eu produziria seria interessante para os meus leitores...? Se isso é sonho, ou se é algo que possa um dia virar realidade, eu não sei. Só sei que eu gostaria de deixar um livro meu numa estante, algo pelo qual eu pudesse ser lembrada, com carinho, com apreço.

Sonhar não custa nada, não é mesmo?

terça-feira, janeiro 29, 2008

Amélie Poulain

"O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" chegou aos cinemas brasileiros em 2001 e foi lançado em DVD em 2002. Todas as críticas ao filme foram positivas e me deixaram muito interessada. Mas, o tempo passou, o filme saiu de cartaz e eu não tive oportunidade de assistí-lo.



Sexta-feira passada, passeando pela Livraria da Travessa, não é que eu esbarrei com ele? Não estava procurando por algo em especial, afinal, já tinha feito uma festa com as promoções por e-mail e com a banquinha de filmes das Lojas Americanas (eu não sou adepta de locadoras - odeio a obrigação de ter que voltar lá no dia seguinte para devolver o filme).

Vimos o filme na noite do mesmo dia e, simplesmente, o adoramos. "Amélie..." mistura drama com humor, tratando de temas bastante significativos, como o das pessoas que não conseguem encarar a realidade, ou sobre aqueles que desejam com afinco, agindo totalmente fora dos limites, aquilo que não podem ter, ou ainda, sobre os que colecionam as coisas mais malucas deste mundo... Ele incomoda, ao mesmo tempo que diverte.

A direção teve um cuidado primoroso com os detalhes e o fato do filme ser francês, tornou-o ainda mais gostoso de ver.

Ele começa apresentando os personagens com o que cada um gosta e não gosta. Eu fiquei pensando nesta lista, em fazer a minha, só de brincadeira.

Eu gosto de...
... doce, principalmente brigadeiro;
... conforto, tipo banho de banheira, roupa de cama limpinha, ar condicionado;
... não ter que me preocupar com dinheiro no final do mês;
... ir ao cinema e ao teatro;
... viajar, para lugares que não conheço;
... ler bons livros;
...

Eu não gosto de...
... comida pesada (tipo pé de porco, buchada etc);
... toalha encardida no hotel (arghhh);
... ficar em casa o dia inteiro de bobeira (me dá dor de cabeça);
... gente falsa, que finje que é sua amiga e fala mal de você por trás;
... lugar muito cheio de gente, apertado, com gente muito suada (tipo metrô na hora do rush);
...

E você, tem uma lista?

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Ganesha

Estávamos eu e o meu companheiro de jornada, o Mago das Flautas, caminhando pelo centro de Búzios, meio entediados com a chatice daquela gente fútil que só pensava em consumir loucamente, quando finalmente encontrei a lojinha esotérica que eu havia descoberto na minha última viagem ao balneário.

Tinha que apresentá-la ao Mago, que há muito procurava por um livro sobre
desmembramento (leia-se "viagens fora do corpo") e tê-la encontrado ao acaso fêz da nossa noite uma bela experiência.

Ao entrarmos, me deparei com uma pequena estatueta de Ganesha, um Deus indiano que tem a cabeça de elefante. Coloquei-a sobre o balcão para elvá-la para casa por impulso, sem saber porquê.

Há algum tempo, havia feito uma pesquisa para uma amiga, a Flor de Lótus, sobre a história do Ganesha, pela qual fiquei encantada.

Diz a lenda que ele é o filho mais velho de Parvati e Shiva. No site da "Grande Fraternidade Branca", há um pedacinho da sua história, que reproduzo aqui:

Parvati é filha dos deuses Himalayas, aquela cadeia de montanhas nevadas, que cobre o norte da Índia. Ela é uma deusa muito graciosa e linda, mãe bondosa e esposa devota. Shiva - bem, até mesmo seus amigos mais íntimos admitem, que ele não é um pai ou marido ideal. Shiva ama sua família de todo coração, mas a sua maneira. O que acontece é que ele não agüenta ficar em casa o tempo todo. Tem alma de aventureiro, gosta de viajar, mas a sua paixão é a meditação e o Yoga. Tanto, que quando absorto meditando, nem um terremoto o perturba.

Shiva e Parvati casados, viviam muito felizes num bangalô no Monte Kailasa nos Himalayas, longe da civilização. Depois de algum tempo, Parvati percebeu que seu marido estava inquieto, ele abria a janela e olhava suspirando os altos picos das montanhas, e ela via nos seus olhos a sombra de um sonho. Ela o amava profundamente, e compreendeu o desejo que o consumia.

Um dia ela disse a Shiva:
- Por que você não viaja por uns tempos? Eu sei que você levava uma vida diferente, antes de nos casarmos. Você meditava, dançava, deve estar sentindo falta de tudo isso agora.
- Não minha querida - assegurou-lhe o marido. - Os velhos tempos acabaram, não sinto falta deles mais.
- E a sua meditação? - ela perguntou. Ela era a sua principal ocupação. - Você é o maior yogui dentre todos os deuses.

Shiva sabia que ela estava certa. Ele desejava mesmo se absorver de novo, pela prática da meditação, e tinha saudades das grutas favoritas das montanhas, onde se sentava para meditar. E depois foi o poder do Yoga, que o transformou num deus tão poderoso. Mas ele ainda hesitou.

- Mas você não vai se sentir sozinha, se eu for?

Parvati lhe assegurou que ficaria bem. Até porque, queria reformar o bangalô, transformar num lugar confortável e bonito onde uma família pudesse morar, um lar de verdade.

Feliz, Shiva colocou sua pele de tigre na cintura, enrolou suas cobras favoritas no pescoço e braços, chamou Nandi, sua vaca, e dando um aceno de despedida partiu montado nela.

- Não me demorarei. - ele disse a Parvati

Só que Shiva é o mais esquecido dos deuses. Quando medita é impossível despertá-lo. Acima do sagrado rio Ganges, Shiva se sentou e começou a meditar. Passaram-se muitos anos, que equivaliam a milhares de anos terrestres, uma vez que o tempo é diferente para os homens e deuses.

Quando finalmente, Shiva levantou da posição de lótus, lembrou-se da esposa que o esperava pacientemente, no Monte Kailasa, e correu de volta para casa.

Neste tempo que Shiva esteve ausente, Parvati fez um lindo jardim em volta do bangalô, costurara cortinas para as janelas e almofadas para o chão, pintara as paredes e as portas. E nem ficou sozinha por muito tempo. Shiva não sabia que tinha deixado sua esposa grávida. Parvati teve um lindo menino, que a manteve bastante ocupada, lhe deu o nome de Ganesha.

Anos se passaram e o deus bebê cresceu e transformou-se num rapaz inteligente e sério, muito apegado a mãe, e que adorava ajudá-la.

Numa manhã de primavera, Parvati estava tomando banho, enquanto seu filho se mantinha perto do portão do jardim. Um homem alto, com longos cabelos presos, um monte de cobras e uma pele de tigre enrolada no corpo se aproximava do portão, e atrás dele uma vaca. Shiva tinha voltado para casa sem se preocupar com sua aparência selvagem.

Shiva parou... - será que esta linda casa era mesmo a sua? E quem seria aquele garoto bonito no portão?

- Deixe-me entrar menino!
- Não, - respondeu Ganesha, franzindo as sobrancelhas para o vagabundo que queria entrar.
- Você não pode entrar! Ganesha se posicionou na porta de espada em punho.

Naquele momento, Shiva estava furioso, seu terceiro olho, do poder, apareceu no meio da sua testa, brilhando como fogo. Em segundos o corpo do menino estava no chão sem cabeça.

Ouvindo vozes Parvati se apressou, horrorizada viu seu filho sem cabeça e o marido que há tanto tempo não via. Chorou amargamente. Exclamou:
- O que você fez?! Este é Ganesha seu filho!

Shiva desculpou-se a Parvati, porém não podia voltar atrás, o que esta feito, esta feito. Mas prometeu a sua esposa que o primeiro ser que visse “dormindo errado” (considerava que aquele que dormia com a cabeça voltada para o sul, estava errado, pois o certo seria dormir com a cabeça voltada para o norte) ele cortaria a cabeça e a colocaria em seu filho.

Então Shiva percorreu milhas e milhas, e encontrou um filhote de elefante dormindo “errado”. Shiva cortou-lhe a cabeça e ao retornar encaixou-a entre os ombros de Ganesha. Inconformada Parvati foi pedir ajuda a outros deuses.

Brahma e Vishnu que são autoridades no Hinduísmo tanto quanto Shiva, ao ver o pobre e esquisito menino com cabeça de elefante, disseram a Parvati que nada poderiam fazer quanto a cabeça de Ganesha, pois não poderiam passar por cima de uma decisão de Shiva, mas poderiam dar à Ganesha poderes, para que ele se transformasse num deus muito querido por todos ou hindus. Ganesha seria sempre reverenciado antes de todas as cerimônias religiosas, seria também aquele que destrói os obstáculos, aquele que trás fortuna...

Parvati sentiu-se aliviada, agradeceu aos deuses, e se foi.

E assim se fez. Hoje na Índia Ganesha é o deus mais adorado, sua imagem é encontrada no painel de todos transportes, na entrada das lojas comerciais, e é realmente lembrado com carinho e devoção em todas as cerimônias religiosas, dando proteção e apoio àqueles que são seus devotos.

Ele é o Deus do conhecimento, sabedoria e removedor de obstáculos. Ele é venerado ou pelo menos lembrado no inicio de qualquer missão ou novo projeto para bênçãos e patrocínio.

Ele tem quatro mãos, a cabeça de um elefante e uma barriga bem grande. Seu veiculo é um pequeno rato. Em uma de suas mãos ele carrega uma corda (para carregar os devotos da verdade), uma machadinha em outra (para libertar seus devotos de apegos e vícios), tem um doce em uma das mãos (para gratificar os seus devotos por suas atividades espirituais), suas quatro mãos estão sempre estendidas para abençoar as pessoas. A combinação de sua cabeça de elefante e um veiculo de pequeno e ligeiro ratinho representa tremenda sabedoria, inteligência, presença de espírito e agilidade mental.

Continuando a minha busca, descobri que Ganesha é o protetor dos escritores, poetas e todos os que se dedicam aos estudos (tudo a ver, né?). E que o fotógrafo Mark Oatney tirou uma foto linda de uma de suas imagens.

Ganesh - By Mark Oatney

De lá para cá, a pequena estatueta está me acompanhando e, para ela, eu tenho acendido os incensos mais perfumados que encontrei. Minha vontade de conhecer mais sobre o Induísmo está cada vez maior. Afinal, eles são sábios...

Ganesha, também conhecido por Ganapati, é o escriba do Mahãbhãrata, que lhe foi ditado por Vyasa. Como caneta, usou a ponta de uma das suas presas, que leva sempre nas mãos (repare na imagem que a presa quebrada está na sua lança). Dizem que, nos momentos mais difíceis, é ele que remove todos os obstáculos.

Salve, Ganesha!

domingo, janeiro 20, 2008

Lembranças (ou ainda, sobre as coisas imateriais)

Quem é essa senhora sentada à beira da minha cama, aos meus pés? Por que ela me olha com tanta pena, tão desolada? Aliás, por que está todo mundo me olhando assim tão preocupado?

Ele já estava naquela cama há muito tempo, emagrecendo um pouco todos os dias, assustando filhos e netos com a rapidez com que progredia a sua doença. Conviver com ela era difícil, lidar com as metástases, então, não era nada fácil. Quando o médico chamou a família para conversar da última vez, foi para dizer que a doença havia provocado um tipo de esclerose que o levaria a esquecer pouco a pouco dos mais próximos, lembrando apenas de breves "flashes" da sua vida... e isso, todo mundo já tinha percebido.

Agora chegaram estes meninos...quem são eles? Dois meninos, agora mais duas meninas... hum, bonitas estas crianças...quem serão?...agora mais um menino e uma menina...Nossa, quantos beijos!!! Eles me beijam e abraçam com carinho...que gostoso!

- Vovô, oi, vovô! Como você está hoje? Lembra de mim, vovô?

Ele não lembrava. Que menina bonita, tão magrinha, cabelo castanho...será que ela estuda aqui na minha escola? Mas, peraí, ela está me chamando de vovô!!! Como assim? Eu ainda estou na escola!! Ei, cadê a minha professora? A aula já vai começar...!!! Estou tão cansado estes dias...

Seus três filhos (duas gêmeas e um mais novo) entravam e saíam do quarto à toda hora, cochichando pelos cantos da casa, preocupados com os pais, sem sorrisos, num quase-silêncio comovente...

- Mamãe, o vovô está melhorando? Ele vai ficar bom?, perguntou uma das crianças.

Como que sem uma resposta boa para dar ao filho, a mãe optou pelo emudecimento, porque ela não teria como lhe explicar que a cura para aquela doença ainda demoraria muito a ser descoberta. Ah, mais como ela queria que esta cura chegasse bem rápido!!! Olhava para o pai e lembrava da farra que fazia com os netos. Com eles, fôra um deseducador, desfazendo todo o trabalho que os pais tinham com criação das crianças. Eles o respeitavam muito, apesar da bagunça constante.

Nas suas brincadeiras favoritas, alguém sempre terminava pulando sobre o colchão de molas da cama do casal - às vezes, os seis netos juntos. Eram três meninas e três meninos que, com ele, brincavam, num único grupo, sem a distinção comum que se fazia entre os jogos de meninas e de meninos naquela época. Com aquele avô, eles aprenderam a gostar dos bichos, em especial dos passarinhos e dos gatos (negros). O 'vovô' levava as crianças para brincar soltas nos terrenos baldios vizinhos ao seu condomínio. E eles sempre voltavam imundos para casa. Soltavam pipas, jogavam peão e bola de gude, "fumavam" imensos charutos feitos de jornal (sem tragar, é claro!). E viam o povo soltar balões enormes nas festas juninas do bairro. Naquela época, não se tinha idéia do perigo que aquilo representava para matas, casas e florestas. Os enormes balões iluminados por milhares de "lanterninhas" japonesas eram mesmo a sensação das festas. Tinha milho, maçã do amor, algodão doce... e o vovô tratava de abastecer a todo mundo.

Mais ainda havia o mais divertido: vovô deixava que as crianças o penteassem em troca de algumas moedas. E elas adoravam deixá-lo parecido com o Einstein, aquele sujeito esperto que inventou a tal "Lei da Relatividade". E, como na vida, tudo é relativo, quem olhasse para o vovô, acharia que ele era louco, louquinho de pedra!

A filha lembrou também do amor de seu pai pelas fotografias. Na parede da sala, pendurou nove quadros enormes, com as fotos dos três filhos e dos seis netos. Ele mesmo tratava de fazer os quadros, adorava lidar com molduras e furar paredes.

Foi a última vez que os netos viram e abraçaram o avô, naquele domingo de 1982. Ele se foi, mas estava em casa, como queria. Lembrava apenas da sua professora do primário, que, para ele, àquela altura, era a vovó. Resignada, ela entendeu que não só o vovô ia descansar daquilo tudo... ela também.

E os netos...eles nunca mais se divertiram como naqueles tempos! Saudades do vovô!

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Para o meu avô querido, Paulo Mendes Borba.

O Cheiro do Ralo

Há muito tempo, eu queria ver este filme. Ele é de 2006 e, se não me engano, não ficou muito tempo em exibição. Mas, tinha a cara do Selton Mello, e foi muito elogiado pela crítica.

No filme, o personagem do Selton (Lourenço) diz:

De todas as coisas que eu tive, as que mais me valeram, as que mais sinto falta, são as coisas que não se pode tocar, são as coisas que não estão ao alcance de nossas mãos, são as coisas que não fazem parte do mundo da matéria.

Depois de ver o filme, tirei uma conclusão: é preciso vê-lo, para entendê-lo. Ah, já ia esquecendo, quase se pode sentir o cheiro do ralo... MESMO.

E dignidade, esta não se compra!

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Devastados

Um dia, durante uma sessão de análise, usei o termo "devastado" para me referir ao homem que tinha sido o meu primeiro amor e que eu havia encontrado ocasionalmente no shopping.

Hoje, assistindo a um debate na TV, ouvi de novo este termo, tão pouco usual. A idéia discutida envolvia o vazio causado por uma ausência devastadora. Pais que se foram, amores perdidos, grandes lacunas, que não há como se preencher.

Meu primeiro amor foi um homem comum, nada especial para a maioria das pessoas, sem uma beleza rara. Para mim, ele foi mais do que especial, pois foi com ele que eu pude vivenciar um sonho e revelar tudo de bom que havia em mim. E, depois do fim do nosso romance, foi com ele que conheci tudo de ruim que havia em mim, pessoa que eu nem conhecia, nem sabia existir.

Meu primeiro amor não olhou para mim nesse encontro no shopping, mas me viu. Eu já o sabia ressentido, magoado. E o quê eu vi foi a pessoa que ele era quando eu o conheci: descuidado, barba por fazer, mal vestido, abandonado de si mesmo. Verdadeiramente "devastado".

Eu já não podia dizer o mesmo de mim. De lá para cá, tornei-me uma pessoa mais vaidosa, aprendi "grandes" pequenos truques femininos e adquiri novos bons hábitos de saúde e beleza. Estava bem, mas não sei quem ele enxergou.

Se ele manteve dentro dele a capacidade de me ver e me enxergar, percebeu que ao vê-lo daquele jeito, eu me senti igualmente devastada, como floresta queimada, tentando voltar a vida. O fogo queimou rápido naquele tempo, destruiu tudo de belo que havia entre nós, mas o carvão do tronco das árvores continuou aceso, queimando por muito tempo, trazendo fortes influências para muitos dos meus relacionamentos que vieram a seguir. Foram as pedras que eu não consegui abandonar pelo caminho.

Ah, como eu quis viver novos amores como aquele! Tentei várias vezes, com homens diferentes, busquei outros estereótipos, mas nenhum deles foi capaz de estabelecer comigo o mesmo grau de intimidade.

Até hoje, quando fecho os olhos, lembro da emoção que senti quando nos beijamos pela primeira vez. Era perto do Natal... e o Natal não teve as mesmas cores desde então - ele usava uma roupa verde e branca naquela época. Lembro também da música que embalou a nossa primeira vez - no amor, no sexo e na vida. Ela às vezes toca no rádio e eu não tenho como impedir que o seu cheiro invada o ambiente e preencha esse vazio devastador que ficou.

Se eu pudesse dizer alguma coisa a ele, com a certeza que ele fosse me ouvir, eu diria que aprendi - e que já não cometo mais os mesmos erros. Sei que ele ficou no passado, que ele é em mim esse grande vazio, uma saudade com a qual tenho que conviver. Mas, aprendi e continuo aprendendo todos os dias.

Lembra que o trato era ficarmos bem?

quarta-feira, janeiro 09, 2008

Os domingos precisam de feriados*

Toda sexta-feira à noite começa o shabat para a tradição judaica. Shabat é o conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção, inspirado no descanso divino, no sétimo dia da Criação. Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para a saúde de tudo o que é vivo. A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa.

Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue. Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta.

Hoje, o tempo de 'pausa' é preenchido por diversão e alienação. Lazer não é feito de descanso, mas de ocupações 'para não nos ocuparmos'. A própria palavra entretenimento indica o desejo de não parar. E a incapacidade de parar é uma forma de depressão. O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento cresce nessas condições. Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. Longas filas para aproveitar experiências pouco interativas. Fim de dia com gosto de vazio. Um divertido que não é nem bom nem ruim. Dia pronto para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo.

Entramos no milênio num mundo que é um grande shopping. A Internet e a televisão não dormem. Não há mais insônia solitária; solitário é quem dorme. As bolsas do Ocidente e do Oriente se revezam fazendo do ganhar e perder, das informações e dos rumores, atividade incessante. A CNN inventou um tempo linear que só pode parar no fim.

Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa. O futuro é tão rápido que se confunde com o presente. As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de uma cochilada, o mar de umas férias, o domingo de um feriado...
Nossos namorados querem 'ficar', trocando o 'ser' pelo 'estar'. Saímos da escravidão do século XIX para o leasing do século XXI - um dia seremos nossos?

Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante. Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca tantos fizeram tanto por tão poucos...

Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é que é uma interrupção.

O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair - literalmente, ficar desatento. É um dia de atenção, de ser atencioso consigo e com sua vida A pergunta que as pessoas se fazem no descanso é 'o que vamos fazer hoje?' - já marcada pela ansiedade E sonhamos com uma longevidade de 120 anos, quando não sabemos o que fazer numa tarde de Domingo.

Quem ganha tempo, por definição, perde. Quem mata tempo, fere-se mortalmente. É este o grande 'radical livre' que envelhece nossa alegria - o sonho de fazer do tempo uma mercadoria. Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. A pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é que dá sentido à caminhada. A prática espiritual deste milênio será viver as pausas. Não haverá maior sábio do que aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar.

Afinal, por que o Criador descansou? Talvez porque, mais difícil do que iniciar um processo do nada, seja dá-lo como concluído.

* Texto atribuído ao Rabino Nilton Bonder, da Congregação Judaica

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Quantas e quantas vezes não foi essa a angústia que eu senti! Como se um dia em que eu estivesse de bobeira, lendo um livro, vendo um filme no DVD, fosse um dia perdido...
Acho que é dessa reflexão que eu preciso!

segunda-feira, janeiro 07, 2008

As coisas - Jorge Luis Borges

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Meu nome não é Jonny

Ontem à noite, cheia de um tédio que só fazia aumentar graças à maravilhosa programação da tv (inclusive da tv à cabo), resolvi pagar para ver "Meu nome não é Jonny" no cinema. De garantido, eu tinha a certeza de ver muita gente bonita na ante-sala do cinema, pegar um ar fresco, deixar o Fantástico sem audiência...


Há muito tempo que já não tenho preconceito contra o cinema nacional. Muita coisa boa está sendo feita, e eu acabei de comprar dois DVDs de filmes brasileiros, de tanto que eu aposto na diversão que eles podem me proporcionar.

Mas, a temática de "Meu nome não é Jonny" me assustava um pouco, ainda mais porque o personagem principal está vivo e eu ainda não consegui formar opinião sobre o "cara". Fiquei me perguntando se o mote da história era fazer apologia das drogas, transformar o João Guilherme em vítima, o bonzinho da história, ou fazer do filme mais um "filme-denúncia", que a gente está cansado de ver e que não muda nada.

Qual não foi a minha surpresa, e acho que da maioria dos que estavam no cinema! Como disse o Serginho Grossman no seu "Altas Horas" do último sábado, o filme é bom, a atuação do Selton está perfeita - como sempre - e a diversão é garantida.

Incrível como se consegue tratar de um tema tão sério com tanta piada. Mas, o roteiro não exime ninguém da culpa, nem os pais do "Jonny", nem o próprio, nem a sociedade burguesa chapada do Rio de Janeiro, nem as autoridades (o Governo, os juízes, os defensores públicos, a galera toda), nem as "otoridades" (a polícia, melhor dizendo), ninguém escapa!

A gente vê aquilo tudo e se sente também um pouco culpado. De nunca fazer nada. De não tentar mudar este estado de coisas paradas, entregues à bandidagem. De tanto não fazer nada, eles acabam fazendo por nós, o que querem.

É como diz o dito popular, quem não dirige a sua vida, acaba dirigido.

Guerra

De tanta bala perdida, eu já estou toda furada, cheia de cicatrizes. Quando há uma guerra dentro da gente, há que se ter muito cuidado. É preciso tratar o caso com seriedade. Como cidade partida, sem lei, nem ordem, não! Como coração partido, não em dois, mas em mil pedaços, sem governo, sem rumo, sem direção.

Parece que Caetano sabe traduzir minha agonia interna muito bem... nas letras mais simples, ele expõe a minha angústia como se me conhecesse...

eu não me arrependo de você
cê não devia me maldizer assim
vi você crescer
fiz você crescer
vi cê me fazer crescer também
pra além de mim

Ao ouvir esta música, fiquei me perguntando do que eu gosto em você e, porquê depois de tanto tempo juntos, ainda vivo nesta guerra... a guerra da dúvida, do descaminho.

Gosto quando você me aperta, me esquenta, me faz suar, me cheira, me beija... gosto deste chamego. Mas, me aflige, me perturba o seu tempo de solidão. Até hoje, não sei lidar com ele. Vira guerra e quem está mais perto - você ou eu - acaba atingido.

E eu sei que não sei lidar com você. Este tempo de que você precisa, eu não sei dar. Se te sufoco, me repreendo. Se te abandono, me angustio mais. Se a gente cresce juntos, parece que não é no amor.

E quem eu amo? O que eu amo? Quem eu tenho sido neste tempo em que estamos juntos?

Eu sei que você me fêz crescer, assim como eu... mas crescer para onde? Viver o quê? E o quê temos vivido?

O quê que eu faço com esta sensação de ter vivido menos do que eu poderia ter vivido? Será que você poderia mudar de lado, deixar de ser país inimigo e passar a lutar junto? Será que sonhar o mesmo sonho é mesmo assim tão difícil?

Reflexões de uma guerra sem heróis, nem vitoriosos...