terça-feira, outubro 13, 2015

Falta

Bateu na minha porta. Pediu ajuda. Era tarde. Temi em abrir, não sabia quem era. Olhei pelo olho mágico, ele estava lá. Subiu sem ser anunciado, nem sei como entrou no prédio. Demorei a abrir. Ele pediu de novo: abre! Deixa eu dormir num canto qualquer. Estou com fome, me dê de comer. Eu dei. 

Arrumei o sofá pra ele. Separei sabonete e toalha e lhe ofereci um banho quente. Sequei seus longos cabelos. Aparei-lhe a barba. Fiz-lhe um caldo para aquecer-lhe a alma. O corpo ficou enrolado no meu pobre roupão branco velho por um tempo. Aqueceu aos poucos e eu ali, olhando. Fui olhando para aquele homem de grandes cabelos e de grandes falhas na barba e quando me dei conta, tinha mergulhado no oceano daqueles olhos azuis. Eu teria dado a ele tudo que quisesse. A minha casa, minha esperança, minha força, meu carinho, minha gana de viver, meu amor, minha alma lavada... 

Ele só queria um lugar onde pudesse se recompor. Dormiu calmo, tranquilo, no conforto do meu sofá. Enquanto isso, eu, na minha cama, permaneci insone, pensando nele. No meio da noite, ajoelhei ao seu lado e toquei seus cabelos e cuidei dele como quem cuida de um príncipe. Ele abriu os olhos e voltou a fecha-los, segurando a minha mão. 

Amanheci ao seu lado, corri para preparar-lhe um café reforçado e aguardei calmamente que ele acordasse. Ele acordou, juntou os cachos do cabelo num rabo-de-cavalo e sentou-se à mesa. Comeu delicadamente, em silêncio, enquanto continuava me olhando. Eu ainda tinha em mim a sensação de que o mundo inteiro, o mundo de que eu precisava, estava dentro daquela cozinha. Eu o servi até que ficasse saciado e me dissesse para parar. Ele então limpou a boca e me deu um beijo no rosto. E saiu.

Eu nunca mais o vi.

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