domingo, março 06, 2011

Fita vermelha

I
Ela amarrou a fita vermelha nos cabelos, passou o batom, também vermelho, e saiu pela rua, no meio do bloco.

Estava exultante, orgulhosa de sua fantasia, planejada e confeccionada por ela mesma, em janeiro. Nunca tinha se permitido brincar o carnaval de rua, nunca tinha se dado o direito de "construir e viver uma fantasia".

Estava cansada de tanta caretice, queria matar as saudades de um tempo que não tinha vivido e que só conhecia pelas revistas e pela televisão.

Olhando as pessoas que estavam curtindo a festa, dentro e fora do bloco, fantasiadas ou não, ela viu, pela primeira vez, a alegria estampada, viu um sopro de felicidade nunca visto outrora. Seus cabelos rubros, cacheados, amarrados na fita vermelha compunham uma pintura com sua fantasia, e ela emanava paixão: pelos outros, por si mesma e pela vida!

As velhas marchinhas de carnaval, todas cantadas de cór, serviam de trilha sonora para aquele momento mágico, um pano de fundo para um sonho de liberdade...nem que este sonho durasse apenas os quatro dias de carnaval e se acabasse na quarta-feira de cinzas.

Pulando com o povo no bloco, sentia aquela alegria invadindo-lhe o peito, tornando-a leve, fazendo com que ela esquecesse os problemas da vida. Tanto tempo perdido...

II
Olhando nos olhos dos homens, sentia de novo o desejo surgindo, sentia que estava viva. Sentia-se bonita, tão saudável, tão cheia de amor. Há muito sentia-se cansada, mas naquele dia, estava disposta, havia se encontrado...

No meio da multidão, avistou um antigo amor, Marcos. Pensou que não poderia ser verdade, pois já não o via há mais de quinze anos. Arriscou chamá-lo, mesmo com todo aquele barulho:
- Marcos! Marcos!

Ele ouviu sua voz e abriu-lhe um sorriso escancarado, fitando-a nos olhos como fazia quando eram namorados. De braços abertos, pulando ao som da marchinha, ele caminhou em sua direção, enquanto ela tentava vencer a multidão (que insistia em estar ali se divertindo) e chegar onde ele estava.

III
O Marcos que ela conheceu era um homem alto, forte, corpulento, de cabelos negros e espessos. Hoje, havia se transformado num homem bonito, porém já meio grisalho, mas ainda era o homem mais cheiroso da face da Terra...

- Luísa, quanto tempo! Dá aqui um abraço!

- Ô, Marcos! Por que a gente ficou tanto tempo sem se ver!?

Num primeiro momento, eram bons amigos que se encontravam depois de anos. Um abraço, depois outro abraço...

- Vamos tomar um choppinho, para matar as saudades!

- Como nos velhos tempos? Vamos! Você está sozinho?

Isso fazia mesmo diferença? Sentaram-se num barzinho que margeava a rua e pediram dois choppinhos bem gelados. O papo se seguiu enquanto o bloco passava. Como a música era altíssima, tinham necessidade de cochichar nos ouvidos, de falar bem pertinho, encostando os rostos. Ela foi sentindo uma saudade dele, do seu toque, do seu cheiro...ainda usava o mesmo perfume...

Ele sentia o mesmo, o coração chegou a disparar algumas vezes. Não sabia se era ela ou uma sensação de voltar a ser adolescente. O fato é que seus cabelos, seu hálito, seu toque, o estavam remetendo a uma época de sua vida em que ele era livre, feliz, inconsequente até!

IV
De repente, um desejo louco por um outro abraço acometeu os dois...e do abraço veio a vontade de um beijo... e eles ficaram se perguntando por que mesmo o namoro deles tinha acabado...
E depois daquele beijo, veio outro beijo, e mais outro, e mais outro...

Ah, que carnaval! Bendita fita vermelha no cabelo da Luísa! Bendito batom...que sabor de cereja! Bendita cerveja gelada, deixando as pessoas mais descontraídas, mais à vontade!

Como eles estavam próximos da casa da Luísa, resolveram continuar o papo por lá, mais reservados, sem a presença daquele mundo de gente jogando confete e serpentina nos pierrôs e colombinas perdidos na tarde festiva...

Marcos havia ficado tão bom com o tempo, tão habilidoso com as mãos! Luísa, por sua vez, sabia o que queria, conhecia melhor o seu corpo e o seu desejo. A saudade era muito grande: o amor começou na sala, estendeu-se pelo quarto, pela cozinha, no banho gelado, e terminou numa noite estrelada, com o casal caminhando pelas ruas da cidade de mãos dadas.

V
Quando finalmente Marcos deixou Luísa de volta em casa, já no raiar do dia, um olhou bem fundo nos olhos do outro, e ambos agradeceram pelas noites vividas e revividas naquele encontro. Sem precisar de um acordo, resolveram não trocar telefones. Se o destino assim o quizesse, Marcos saberia como encontrar Luísa, como voltar àquela casa, como retomar aquele amor.

E, depois de um sono tranquilo e abençoado, foi hora da Luísa trocar de fantasia e se preparar para outro bloco, outra aventura, outro dia feliz de carnaval.

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Publicado neste blog em outubro de 2006.

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