quinta-feira, junho 07, 2012

Saudade, das boas

 

Ela foi a última a entrar no avião, que estava lotado. A comissária só a aguardava para fechar a porta e dar início às instruções de decolagem. Procurou seu acento e sentou-se, esbaforida, tratando de colocar sua bolsa de mão embaixo da cadeira da frente.

Quando relaxou, apertou o cinto de segurança e colocou um chiclete na boca, sentiu um desconforto. Devagar, olhou para o lado. Ele estava ali, sentado ao seu lado. Dez anos depois.

Quando terminaram o namoro, ela sofreu tudo que tinha pra sofrer. Parou de comer, a vida perdeu a graça, não quis sair de casa por dois anos inteiros. Ele era tudo pra ela, a luz que iluminava seus caminhos, a única razão de viver, ela não olhava para o lado quando estava com ele. Pensando bem, mas muito bem mesmo, aquilo era uma doença. Das boas.

Depois de muita análise, ela chegou a triste conclusão de que tinha passado seis anos em função de uma única pessoa - e que não era ela. Péssimo isso. E com o tempo, havia esquecido de se perguntar: é isso que eu gosto de fazer? É isso que eu quero fazer hoje? É pra isso que eu quero mesmo viver?

Sempre abria mão de suas vontades para agradá-lo, porque ele "era o homem da sua vida". Muito pouco pra mulher que ela era hoje, decidida, forte, coerente.

Dez anos haviam se passado e eles nunca mais haviam se falado. Sabia dele pelos outros, que insistiam em contar para ela como ele estava, com quem tinha casado, onde estava morando... isso sem ela perguntar, nunca perguntara, nunca quisera saber. Saber pra quê?

Das vezes que o viu no shopping perto de casa, fingiu que não o conhecia, que ele não havia sido o homem com quem desejara envelhecer, com quem desejara ter uma família, a quem amava mais do que tudo...

E agora ele estava ali, sentado ao seu lado.

Ele também estava incomodado. E não pretendia falar com ela. Até que ela se virou para ele e disse:

- Afinal, como você está?

Ele ficou surpreso com o tom da pergunta e com a pergunta em si, mas respondeu:

- Bem, e você?

Daquele momento em diante, eles deixaram o inevitável de lado e começaram a conversar sobre a vida, seus desdobramentos, filhos que vieram e os que não vieram, separações, encontros, e o desconforto foi passando, ela foi percebendo que aquilo já não a incomodava tanto, afinal eram dez anos...

Trocaram impressões sobre a vida, sobre tudo o que havia mudado em cada um em termos de expectativas, sobre o que haviam sentido quando se separaram. Sim, eles falaram sobre eles, com uma franqueza que nunca haviam usado quando estavam juntos. Viram que a vida deles juntos não era assim o mar de rosas que havia ficado na memória dos dois. E que os desgastes existiam e que era natural que eles não ficassem juntos.

Foram 45 minutos. São Paulo - Rio.

O avião pousou suavemente e ela pôs outro chiclete na boca. Ele olhou para ela em silêncio por longos 2 minutos, enquanto ela abria a bolsa, tirava um batom, penteava o cabelo com os dedos, e retocava a maquiagem. Ele nunca a vira fazer isso.

- Bom te ver, ela disse.

- Idem, fiquei feliz por saber de você - ele respondeu.

E foram cada um para o seu lado, certos de que haviam feito a coisa certa, mas com saudade do toque, do beijo, das mãos... uma saudade perdida no tempo.

Música do dia: Need you now - Lady Atebellum

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