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sexta-feira, janeiro 15, 2016

Pandora


Como se pudesse haver programado alguma coisa para o futuro, abriu o envelope que havia enviado para ela mesma há cinco anos atrás e que se perdeu no caminho, e pôde notar que uma certa melancolia invadiu o ar.



Todos aqueles sentimentos guardados ao longo daquele tempo retornaram, com uma força inexplicável. Era como se ela estivesse novamente no meio daquele turbilhão de emoções e, principalmente, como se não soubesse novamente como lidar com elas.


Mas, ela sabia, há muito tempo que sabia. Tinha aberto uma gaveta nas profundezas da alma e escondido aquilo tudo, como se possuísse uma "caixa de Pandora" interna. Todo mundo tem uma. É melhor para todo mundo que eu faça isso, ela pensou. Assim, manteve intacto o sentimento, há muito tempo fora da pauta das conversas semanais com a sua analista.


Tinha aprendido a lidar com a inveja, o ciúme, a solidão, a saudade, e todo um conjunto de sentimentos que ela preferia dispensar, e que nunca sonhou sentir com tamanha intensidade. Pusera uma máscara de mulher feliz e limitou-se a falar muito pouco, de trabalho e amenidades, principalmente, para que ninguém, jamais, em tempo algum, pudesse suspeitar dos sentimentos dela. Ainda mais, quando percebeu que alguns deles não eram nada nobres.


Sabia que não era bacana querer a vida dele. Ou melhor, querer a vida que a mulher dele tinha com ele. Como se isso fosse possível. Amor é coisa de pele, paixão é coisa de química. As pessoas não são assim tão facilmente substituíveis. Elas são o que são, e o que significam para nós. Tomar o lugar da mulher dele não seria tarefa fácil. Ainda mais que eles não tinham problemas. O que ele tinha era excesso de safadeza, vontade inexorável de se provar gostoso o tempo todo, necessidade de cortejar e seduzir. Só pelo prazer do jogo. E a boba tinha caído nesta sua lábia feito pata.


Saber disso também era algo que doía. No início, foi bom. Fez bem pro ego. Ela mudou seu jeito e jogou o jogo. Depois, percebendo que a relação não teria nenhum futuro, foi deixando de lado o que sentia, e substituindo aquela vontade de estar com ele por uma raiva sem tamanho. Do medo de deixar de existir na cabeça dele, ela passou a ter raiva por ser mais uma.


E agora estava ali, diante do envelope no qual havia sepultado toda uma gama de sentimentos que afloravam, e que ela só queria manter guardados em sua “caixa de Pandora”. Teve medo, sentiu raiva, e depois fez o que vinha fazendo há tempos: deu dez passos para trás. Olhou a situação como uma expectadora. Deixou todas as expectativas e os sentimentos ruins pelo caminho e viu o caso com outro olhar. Tinha assim tanta importância? Não. Havia ficado no passado, como todo o resto. Com o tempo, a forma de olhar para ele também ficou. Descobriu que a grama do vizinho não era assim tão verde, e que aquela vida perfeita não era assim tão perfeita. Colocou o homem que a cortejava em seu devido lugar e foi viver a sua vida. Aprendeu a se priorizar, sobre todas as coisas e pessoas, e entendeu como isso podia fazê-la tão mais feliz. 


E descobriu que a felicidade é simples, com ou sem “caixas de Pandora” para esconder as coisas...

terça-feira, janeiro 22, 2013

Libertar-se é simples...



Esquentou uma xícara de cappuccino e sentou-se confortavelmente em sua bergère para ler a carta recebida. Pela primeira vez, depois de muitos anos, e muitas correspondências trocadas, ela estava recebendo um envelope branco, uma carta tradicional, sem nada que desse uma pista de como estaria o estado de espírito dele.  Ele sempre desenhava nos envelopes.



Desde que se conheceram, em uma curta viagem ao exterior, ele sempre lhe mandava cartas, aquelas que os Correios entregam e que dão frio na barriga ao abrir. No início, ele era caloroso, carinhoso, mas curto nas palavras, escrevia pouco. Com o tempo, passou a escrever de todos os cantos por onde andava, e parecia ter prazer em lhe contar a vida.

Às vezes, quando ela abria os envelopes, encontrava fotografias dele, de lugares onde havia estado, nos diversos momentos em que ele havia se lembrado dela. Não fazia sentido aquilo. Por que ele havia transformado um encontro casual numa viagem curta num relacionamento tão próximo?... E ao mesmo tempo tão distanciado pelos caminhos pelos quais a vida os havia levado?



Sabia de seus segredos, e estes segredos os aproximavam, apesar da distância geográfica. E cada segredo vinha acompanhado de um presente, por vezes um livro, noutras uma jóia, em algumas ocasiões, bombons. Ele era todo atenção para aquela mulher. A mulher em quem ele nunca havia tocado, com quem ele nunca havia estado, mas que ele enxergava como a mulher da sua vida.

Ele foi para ela, durante muito tempo, a única pessoa que ela enxergava. Até que um dia ela deixou de acreditar no virtual, no potencial de um beijo nunca dado, de um abraço que nunca houve... e passou a buscar o real.


Como no muro de cartas a Julieta, em Verona, na Itália, as que chegaram depois daquele momento, passaram a ficar sem resposta. Ela deixou de corresponder, de responder, de atender aos chamados daquele homenzinho romântico. E as cartas foram diminuindo, ele foi compreendendo cada vez menos o silêncio dela, até que parou de escrever.

E ela sobreviveu ao soterramento dos "e se...?" que viviam a lhe atormentar a cabeça. Como se o fato de ser mais forte do que o amor daquele homem lhe tivesse, de repente, retirado os grilhões que lhe acorrentavam àquela vida de esperas.

E então, finalmente, ela pôde viver...

A carta de agora foi como um sopro do passado... parecia tudo tão sem sentido. Depois de anos de silêncio, ele não parecia nem de perto com a pessoa que outrora ela havia amado tanto. Assinava com "saudações", como se fossem velhos conhecidos que haviam se cruzado casualmente num sinal de trânsito.

Tomou um gole de café e recostou-se na poltrona. Fechou os olhos e deu um suspiro, concluindo que, assim como ela, e apesar de todos os descaminhos da vida, ele nunca se esqueceu do que viveram...