terça-feira, janeiro 22, 2013

Libertar-se é simples...



Esquentou uma xícara de cappuccino e sentou-se confortavelmente em sua bergère para ler a carta recebida. Pela primeira vez, depois de muitos anos, e muitas correspondências trocadas, ela estava recebendo um envelope branco, uma carta tradicional, sem nada que desse uma pista de como estaria o estado de espírito dele.  Ele sempre desenhava nos envelopes.



Desde que se conheceram, em uma curta viagem ao exterior, ele sempre lhe mandava cartas, aquelas que os Correios entregam e que dão frio na barriga ao abrir. No início, ele era caloroso, carinhoso, mas curto nas palavras, escrevia pouco. Com o tempo, passou a escrever de todos os cantos por onde andava, e parecia ter prazer em lhe contar a vida.

Às vezes, quando ela abria os envelopes, encontrava fotografias dele, de lugares onde havia estado, nos diversos momentos em que ele havia se lembrado dela. Não fazia sentido aquilo. Por que ele havia transformado um encontro casual numa viagem curta num relacionamento tão próximo?... E ao mesmo tempo tão distanciado pelos caminhos pelos quais a vida os havia levado?



Sabia de seus segredos, e estes segredos os aproximavam, apesar da distância geográfica. E cada segredo vinha acompanhado de um presente, por vezes um livro, noutras uma jóia, em algumas ocasiões, bombons. Ele era todo atenção para aquela mulher. A mulher em quem ele nunca havia tocado, com quem ele nunca havia estado, mas que ele enxergava como a mulher da sua vida.

Ele foi para ela, durante muito tempo, a única pessoa que ela enxergava. Até que um dia ela deixou de acreditar no virtual, no potencial de um beijo nunca dado, de um abraço que nunca houve... e passou a buscar o real.


Como no muro de cartas a Julieta, em Verona, na Itália, as que chegaram depois daquele momento, passaram a ficar sem resposta. Ela deixou de corresponder, de responder, de atender aos chamados daquele homenzinho romântico. E as cartas foram diminuindo, ele foi compreendendo cada vez menos o silêncio dela, até que parou de escrever.

E ela sobreviveu ao soterramento dos "e se...?" que viviam a lhe atormentar a cabeça. Como se o fato de ser mais forte do que o amor daquele homem lhe tivesse, de repente, retirado os grilhões que lhe acorrentavam àquela vida de esperas.

E então, finalmente, ela pôde viver...

A carta de agora foi como um sopro do passado... parecia tudo tão sem sentido. Depois de anos de silêncio, ele não parecia nem de perto com a pessoa que outrora ela havia amado tanto. Assinava com "saudações", como se fossem velhos conhecidos que haviam se cruzado casualmente num sinal de trânsito.

Tomou um gole de café e recostou-se na poltrona. Fechou os olhos e deu um suspiro, concluindo que, assim como ela, e apesar de todos os descaminhos da vida, ele nunca se esqueceu do que viveram...

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