segunda-feira, novembro 21, 2005

A volta

Ele entrou, mas não acendeu a luz. Deixou seus olhos se acostumarem com a escuridão daquele quarto, que contrastava enormemente com a claridade do lado de fora. O dia já se fazia pleno quando ele voltou, com sol a pino, mas a raiva estava longe de ter passado.

Seu coração estava batendo muito acelerado, tão acelerado que ele até percebeu. Não era um tipo de homem que prestava muita atenção em si próprio, mas naquele dia estava mais atento. Aliás, estava atento a tudo, preocupado, nervoso, tenso, com medo do que ainda podia fazer.

Ao entrar no quarto, logo reparou que ela não estava, e viu luz pela fresta embaixo da porta do banheiro, o suficiente para supor que ela estava ali. Encostou seu ouvido na porta e ficou quietinho escutando...sentiu a respiração dela do outro lado. Ela estava ali, arfando, com dificuldades para organizar seu raciocínio e seu algoz, do outro lado da porta, aguardando mais um movimento.

Quando viu que ela demoraria a deixar o banheiro, decidiu sentar-se na cama. Paralisado, ficou alguns minutos buscando colocar os pensamentos em ordem, tentando entender porque tudo aquilo havia acontecido. Afinal, gostava muito dela. Mais do que havia gostado de qualquer outra mulher em toda a sua vida. Com a cabeça entre as mãos, pôde sentir seu suor escorrendo por sua testa e viu que o embate também o havia machucado um pouco. O problema, no entanto, não era os machucados externos e sim, o que doída por dentro. Ele se sentia em frangalhos, estraçalhado. Aos poucos, seu organismo foi retornando ao estado normal e seu ritmo cardíaco diminuindo.

Ela sabia que ele estava no quarto. Havia escutado o barulho das chaves e o ranger da porta se abrindo. Ouviu seus passos, sentiu que ele encostou a cabeça na porta, e que se dirigiu para o outro lado do quarto. Não sabia exatamente onde ele estava agora, nem o que estaria fazendo e, por este motivo, seu medo foi aumentando, aumentando, aumentando...

Tratou de buscar naquele banheiro, algo que pudesse ser utilizado como uma arma, nem que fosse para defendê-la. Não havia nada muito forte o suficiente para derrubá-lo, mas encontrou uma gilete dentro do pequeno armário embaixo da pia. Ela não pretendia utilizá-la, mas tinha que ficar preparada para qualquer outro ataque.

Como ela demorava a deixar o banheiro, ele se recostou na cama e, exausto daquele turbilhão de emoções, em pouco tempo caiu em sono profundo. Ela, então, abriu a porta do banheiro e tirou os sapatos, pondo-se a andar em volta da cama e a olhar para ele. O encantamento que ela sentia por aquele homem ainda era mais forte do que tudo. O que ela não entendia, portanto, era como tinha tanto medo de mudar a vida dela para viver com ele. Talvez a reposta fosse simples: era apenas medo de perder este encanto.

Notou que ele também havia se machucado na briga. Possuía alguns hematomas nos braços, talvez provenientes dos esbarrões dela quando tentava se desvencilhar dele. Ela se via literalmente entre dois amores: não queria magoar nenhum dos dois e quanto mais se esforçava, mais delicada ficava sua situação, pois em pouco tempo, o outro também estaria ciente do que estava acontecendo. Sentia que este dia se aproximava. Uma atitude ela teria que tomar. Por pior que fosse a escolha, era seria bem vinda; pior era ficar naquele limbo, cheio de indecisão.

De repente, ele acordou. Num movimento brusco e violento, segurou seu pescoço, prendendo de uma só vez, pele e cabelos. Ela se assustou com sua reação, mas imediatamente se lembrou da gilete, que trazia consigo no bolso da calça. Ela teria que ser bastante ágil para não perder o controle e resgatá-la, se fosse o caso. Antes que precisasse partir para mais uma ação violenta, para revidar a dele, apelou:

- Eu te amo. Muito. Mais do que tudo. Se fui covarde, me perdoa. Eu não queria te reduzir a lixo. Eu te amo. Não é necessário partir para ignorância, vamos conversar. A gente sempre se entendeu.

- Eu estou tão confuso que eu não sei nem mais o que pensar, ele disse afastando-se dela. - Eu sou tão fascinado em você, não suportaria ter que te esperar mais dois anos. Você tem que tomar uma decisão, por mim, por você, por nós dois.

(continua...)

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