segunda-feira, fevereiro 28, 2011

Fechada para balanço

Parou no boteco, escolheu uma mesa perto da entrada e sentou-se, displicientemente. Pediu uma dose de gim tônica, acendeu um cigarro que pousou delicadamente no pequeno cinzeiro nadir figueiredo trazido pelo garçom e que deixou queimar, e se perdeu numa desconstrução detalhada de sonhos e misérias pessoais.

De tempos em tempos, dava crédito à paisagem da Lapa, ao quadro movimentado de pessoas indo e vindo em pleno entardecer. Mas, era no balanço de sua vida que ela se entretinha, nas conquistas, nas perdas, nos aprendizados, nas escolhas... "E se?" era algo que ela não se permitia perguntar, mesmo sabendo no fundo de seu coração que havia um tempo em que tudo era mais fácil.

Tinha se tornado a pessoa mais segura e forte do mundo, aquela que os amigos admiravam e em quem se apoiavam, só que estava em frangalhos, em pedaços, catando os caquinhos e tentando tornar a ser aquela que, em essência, vinha tentando esconder nos recônditos de sua alma, intacta ao longo do caminho. "Quem sou eu agora?", ela se perguntava sem saber a resposta, enquanto tomava um gole, dava um trago comprido no cigarro e observava um casal a trocar juras de um amor bandido na mesa do lado. "Um dos dois é casado", ela concluiu pela conversa, descrente das pessoas e das relações humanas que estava.

"Por que tudo é tão difícil? Por que sempre queremos o que não podemos ter? É esse destino traçado, é aquilo que pedimos quando estamos chegando neste plano, tudo aquilo que devemos resgatar e aprender e, ainda assim, sofremos, nos desesperamos e não aceitamos uma dor que nós mesmos nos impomos... Desse livre arbítrio que temos, algumas decisões podem ser impensadas, são inaceitáveis pela maioria mas, de qualquer modo, são só nossas, e nós é que vamos prestar contas delas no final..."

O garçom, que observava aquela mulher a tocar a borda do copo com o dedo indicador, apoiando a cabeça em sua mão esquerda, ofereceu mais uma dose, que ela aceitou mas não bebeu.

O tempo passou e só Carolina não viu. Os últimos anos foram tão intensos. Tudo o que ela ganhou, tudo o que ela perdeu... no balanço, o saldo era positivo. Deitou a cabeça em trilhos algumas vezes, a esperar intensamente que um trem viesse de algum canto e pusesse um fim naquilo tudo, mas acabou por se surpreender com uma força inexplicável que havia dentro dela e que ela não sabia existir.

Ainda espera o milagre que a fará mãe, que lhe permitirá exercer a dádiva de ser mãe, de cuidar de um filho ou filha, de vê-lo crescer, aprender a falar, a andar, ouví-lo chamá-la de mãe, vê-lo brincar com os avós, gritar de fome, pedir para segurar a sua mão à noite... Ainda se sente patética por ter que explicar aos outros esse desejo, àqueles que acham que ela devia simplesmente aceitar a sua "incapacidade de gerar". Não, mesmo que seja destino, uma peça do acaso, ela não vai desistir...

"Em algum lugar, no fim do arco-íris, deve haver um pote de ouro onde eu vá, enfim, encontrar a minha criança..."

Sentiu as lágrimas escorrerem pelo seu rosto frágil e marcado de mulher madura e, como acredita que isso não combina com o espírito alegre e juvenil da noite carioca, pagou a conta e saiu.

Um comentário:

Bia Prado disse...

Querida, não desista de nada, nunca!
Você é maravilhosa!
Saudade, viu?
Beijos