terça-feira, julho 02, 2013

Desencontros

Passou a manhã inteira cogitando ligar para ela, enquanto a reunião rolava. Estava desatento aos assuntos do trabalho, queria apenas saber se ela teria como sair com ele. 

Na primeira brecha, passou a mão no celular e ligou pra ela. "Oi, tudo bem? Eu queria te ver hoje. Topa fazer alguma coisa depois do trabalho?"

Ela hesitou. Pensou um pouco, disse que tinha um compromisso... Mas depois, disse que podia remarca-lo. Perguntou onde se encontrariam e ele disse que passava para pega-la, que estava de carro.

Ao desligar o telefone, ela ficou pensativa por um tempo. "O que será que ele quer?" Já eram amigos há tanto tempo, nada que ele pedia, ela negava.

Ele estava cansado de ser seu melhor amigo. Estava de saco cheio de ouvi-la falar de amores impossíveis, não correspondidos, de tudo que ela sempre quis, e que ele sempre esteve ali para oferecer em dobro, mas nunca teve coragem de dizer. Estava na hora de dar um basta naquela situação, de dizer tudo o que ele sentia, abrir seu coração, mesmo que isso impactasse na perda de sua amizade, num afastamento.  Ele estava disposto a correr este risco. Ela era tudo pra ele. Mais do que ela pudesse imaginar, não conseguia imaginar sua vida sem a presença dela. Mas, tudo estava tão confuso nos últimos tempos, ele tinha desistido de um namoro de anos, tinha pensado muito e, enfim, tinha decidido confessar-lhe a paixão que o atormentava há anos.

Passou na biblioteca para pega-la as 18:30, de tão ansioso que estava. Ela entendia cada vez menos o que estava acontecendo com ele, mas estava pronta à espera.

"Vamos pra onde?", ela perguntou curiosa.

"Para um lugar bonitinho, ali perto do canal, tenho certeza que você vai gostar". Há um tempo ele vinha pensando na idéia de leva-la a um barco-restaurante que havia sido aberto perto de sua casa. E o fato de estarem perto de casa não era definitivamente por acaso. Esperava que ela curtisse o fato de terem um jantar romântico num barco, nos moldes dos "barcos europeus". Mas, o que ela não sabia é que eles teriam um jantar romântico, e no fundo ele tinha medo de como ela receberia a notícia, já que seus jantares sempre tinham sido, todo esse tempo, apenas jantares.

Ao chegarem no barco, ela estranhou. A aura de romance, as velas acesas, pequenas luzinhas piscando, música de violinos, tudo muito romântico. Ela tinha medo de dizer algo que quebrasse aquele clima, mas não sabia o que esperar daquele amigo. Se um dia ela supôs que ele gostasse dela de um jeito diferente, mudou logo de ideia quando ele começou a ficar com todas as meninas da faculdade indiscriminadamente. Menos com ela, nunca sequer mencionara aquelas saídas. Todo mundo sabia, mas era uma coisa velada.

Tempos depois, ele confessou os motivos, mas aí, ela já tinha se colocado numa posição de amiga, espaço reservado por ele a ela. Que confusão ele estava fazendo na sua cabeça com esse convite!

Qual a barreira entre o amor, a paixão e a amizade? Quando se deve ultrapassa-la, quando se deve vencer esse abismo? Essa mudança de status não pode comprometer um sentimento mais perene, que é o amor entre amigos? Se está bom assim, por que mudar tudo?

"Ricardo, qual o motivo disso tudo? Por que você me trouxe neste lugar lindo? Até parece que você está querendo me dizer alguma coisa...", ela perguntou.

"Mariana, há quanto tempo a gente se conhece? Muito, né? A gente está precisando conversar. Você está prestando atenção? Eu não posso mais adiar esta conversa".

"Ricardo, o que você não pode mais adiar? Você continua adiando, por que não vai direto ao ponto?!"

"Mari, eu estive com todas as meninas da nossa turma, menos você. Eu fui um idiota, egoísta e egocêntrico. Mas, mesmo assim, você esteve lá, ao meu lado, esse tempo todo, sem me julgar. Ao menos, eu acho que não julgava..."

"Ricardo, tentei muito não julgar, mas julguei sim. Naquela época, o que fazia dizia respeito apenas a você, e a elas... O que eu tinha a ver com isso?"

"Mas então, você também me achava um canalha? E se eu te pedisse perdão?"

"Perdão, Ricardo? Perdão por que?"

"Perdão por ter dado tanta volta e ter feito tanta bobagem antes de concluir que era com você que eu queria ficar o tempo todo. Você acredita nisso?"

"Comigo, Ricardo? Difícil de acreditar... Você é uma pessoa que curte a vida, as mulheres, não se amarra a ninguém, não quer compromisso... Por que estaria a fim de mudar logo agora?"

"Porque eu pensei bem, Mari, pensei muito, pensei mais de dez anos, e a única pessoa com quem eu gostaria de ficar, de dividir a minha vida é com você, sempre foi com você, mas você nunca me deu abertura, sempre se manteve distante, com um sorriso de Monalisa para tudo que eu dizia, era impossível saber o que você pensava ou sentia..."

"Ricardo, isso tudo é muito complicado, difícil de processar, deixa eu pensar sobre isso..."

"Será que não dá ao menos para curtirmos a noite, vamos dançar, vamos jantar, conversar..."

"Não, Ricardo, acho que não dá, não fica chateado comigo, mas isso é tudo muito louco, eu prefiro ir embora..."

Ela se levantou e saiu, mas não sem antes dar-lhe um beijo de amiga em seu rosto e de ter acariciado seus cabelos, como fazia sempre...

Enquanto se deixava levar pelo motorista que guiava o taxi para sua casa, ela pensava nas inúmeras vezes em que ela quis que ele fosse seu... E no quanto ele havia estragado tudo.

Enquanto ouvia os violinos e bebia goles do champanhe que tinha encomendado, imaginava aquela mulher nos seus braços, como devia ter sido desde o inicio...




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