quarta-feira, setembro 21, 2011

Perdendo o medo de cara feia

Estou relendo o livro “Coragem de Crescer”, da psicóloga Maria de Melo Azevedo, da USP. Comprei este livro em 2006, e não me lembro mais o que me atraiu nele: o título, a simplicidade da capa, ou alguma coisa que li...

A autora faz uma discussão em tornos de relatos de casos de pessoas que ela trata, não divulgando os nomes dos pacientes, é claro. E em cada caso, há, inevitavelmente, algo com o que me identifico.

Ontem, estava lendo á respeito de uma paciente que tinha medo das caras feias do pai. Eu tive medo das caras feias do meu pai durante um tempo na minha vida, acho que da pré-adolescência a adolescência, especialmente quando se tratava das notas na escola. Eu era muito fraca em História e Geografia, e papai não admitia notas como 7,0, 7,5. Então, cada vez que eu tirava uma nota dessas, era um sufoco (sim, porque nota vermelha nem pensar). Mas, não eram caras de desprezo, eram caras de reprovação, caras de quem dizia: "você pode fazer melhor!". Um dia, eu me libertei disso, e consegui ir adiante, sabendo que as minhas notas, ou qualquer coisa que eu fizesse na vida, eram de minha inteira responsabilidade e que não adiantava lamentar ou ralhar, o caso era tocar em frente e seguir adiante, para reverter a situação, se fosse possível.

Mas, algumas caras feias ficam. As que a Maria de Melo relata no livro. O trecho é tão bom que vou me permitir reproduzir aqui, com meus comentários.

“(...) Medo de que, afinal, eu insistia (...) Em primeiro lugar, de caras feias (...) Dessa estratégia de apequenar os outros por meio de expressões faciais, “caras e bocas”, como se diz. É uma tática sempre muito eficiente, mesmo com adultos. Imagine então com crianças, como era o seu caso com o pai, na infância. Preste atenção quando estiver com alguém que usa esse recurso. Ele é forte, funciona. A gente diz algo a uma pessoa. Ela fica imóvel, não mexe um músculo. Não dá resposta alguma, nos deixa no vazio. A gente não tem nenhum indício de como lhe chegou aquilo que dissemos. Este conjunto já sinaliza que não estamos agradando muito, joga um pouco de água fria no nosso movimento. Diminui nossa excitação, desvitaliza. Mas a gente agüenta e segue adiante, agora com mais força, colocando ainda mais energia, desejando muito conseguir tocar o tal sujeito, o nosso interlocutor. Aí ele faz algo mais forte: uma cara toda especial, torce o nariz, a boca, numa expressão de quem sente cheiro de merda em algum lugar... E aí, batata! Se você não estiver muito preparada pela vida, começará a cheirar seu sapato para verificar se não pisou no cocô do cachorro. Na próxima tacada do rei em questão, cuidado! Você pode instintivamente cheirar a manga da sua blusa, ou sei lá o quê... As caras dele vão lhe informando que você só fala merda. E em seguida, repentinamente, ele vai mudar de assunto, como se você não existisse e não tivesse falado aquelas besteiras. Como se lhe desse uma chance, apagando generosamente suas ações incompetentes, apagando você! E, é claro, a postura dele indica que a resposta correta de sua parte é agradecer a gentileza... Aí você já estará pequena como um grãozinho de arroz, ou de gente. Gente, a esta altura, você já nem se sente. Encolheu-se toda. E o rei lá em cima, enorme, inatingível. Agora imagine esse tipo de treinamento a vida toda, desde o berço! (...)

O segundo medo é o de abandono (...) Ou seja: as caras feias expressam desprezo. E contêm algo mais perigoso: a ameaça de abandono. Uma chantagem afetiva é jogo duro. Se bobear, (...) é descartada do jogo da vida como um traste qualquer. (...)”

Pensando a respeito, vou me dando conta de que nasci numa família onde muitas pessoas estão habituadas a fazer isso. Não falo de meus pais, que são pessoas tranquilas, e arrisco a dizer, sofrem com isso tanto quanto eu, mas de todo o resto. Eles sempre dão um jeito de te mostrar que você não vale o pão que come, que só fala besteira, que é melhor ficar calada(o). Outro dia, fui a uma reunião de família, uma comemoração de aniversário, e ao chegar em casa, meu marido me perguntou porque eu estava tão calada. Eu disse a ele que havia desistido de falar, que era muito sacrifício tentar ser ouvida. Ora, isso não acontece em nenhuma outra situação, em nenhum outro núcleo. Aliás, quando há pessoas de fora da família, o papo rola solto. Mas, com meus ‘parentes’, o que se recebe de volta é sempre uma cara de quem comeu pudim de limão, quando a gente fala. E isso cansa. Ainda mais se você não está habituado a pagar na mesma moeda. Aí vira monólogo, só o ‘interessante’ pode falar, você não. Então, é melhor ficar quieto, observando os tais a fazer o mesmo com os outros e vendo como as pessoas ficam desconcertadas nestas situações. Eles deviam ser filmados e depois, obrigados a assistir as atitudes perversas com as quais agem neste pequeno clã.

O mesmo acontece no trabalho. Uma ou duas criaturas agem do mesmo jeito. A tudo que falamos, a todas as contribuições que damos, a resposta é sempre uma careta, uma cara de nojo. Como incomoda! Dá vontade de perguntar: “Está com fome?” Porque cara feia para mim é fome...

Eu fico me perguntando como é que se aprende a ser assim. Acho que é uma estratégia de defesa, que alguns adotam e outros não. Começa com alguém muito importante, egocêntrico e egoísta, o “rei” daquela casa, ou daquele ambiente de trabalho, e se propaga para todos os que precisam se defender dele e que vão impondo esse comportamento aos demais.

Ainda bem que sou transparente e segura o suficiente para mostrar às pessoas, respeitosamente, que não concordo com os seus argumentos, e que tenho os meus, para sustentar uma discussão saudável e produtiva.

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MELO, Maria de. "A coragem de crescer - Sonhos e histórias para novos caminhos". Rio de Janeiro: Ed. Record, 2005.

4 comentários:

Arquitetura Organizacional disse...

O texto até que sugere isto em algum ponto, mas acho que é mais. Na essência, as pessoas não tem muita noção de que estão fazendo cara feia, elas não percebem isto. A gente percebe a cara feia dos outros mas não percebe a própria. Então acho que a coisa da cara feia não é assim tão intencional. Pouquissimas pessoas tem conhecimento e muito menos domínio de suas próprias expressões faciais, com exceção de seus emoticons ! ;-)

Rebecca Leão disse...

Oi, eu conheço gente que faz cara de nojo de propósito, sem o menor dó do outro. A gente pode até reagir a estas caras fazendo outras, mas tem pessoas que são impossíveis. Eu mesma tenho domínio da técnica, mas não aplico, porque não gosto. Mas tem gente que até se diverte... vai por mim! Bjs

Cacau disse...

Ótima reflexão... adorei o texto citado... e cá entre nós esta é uma prática que muitos se utilizam e concordo com você, acho lamentável, uma falta de respeito sem fim; uma prova de insegurança e de péssima educação. Por isso, tento ao máximo ficar longe daqueles que agem assim. Bjs ;-))

Rebecca Leão disse...

Cacau, às vezes, essas pessoas estão mais próximas do que imaginamos! Uma pena... Bjs