terça-feira, julho 21, 2015

o vazio


Sem se dar conta, não percebe sua aproximação. Sente uma gastura, uma falta, uma inquietação. Causa uma aflição, um desassossego. E se instala. O vazio. Nada o preenche, ele sabe. Não é externo, é existencial. Por vezes, causa dor física. Não lhe impele a fazer algo, ao contrário, clama pelo ócio. Faz com que ele o confunda com preguiça. Mas não é. O vazio o leva a olhar o branco do teto. Encontra rachaduras, pequenos insetos nos cantos, percebe sujeiras, restos de teias. O vazio o oprime. É como o calor de verão no Rio de Janeiro, abafado. Perde água. Pede água. O vazio é a falta dela, tem o cheiro do perfume do cabelo dela, faz o barulho do andar dela, do mastigar dela, do gargalhar dela. O vazio é úmido, e seco. O vazio é ela.

o que importa é ser feliz...

Bateu uma porta. Bateu a segunda porta. Saiu pela porta da rua, batendo a terceira porta. Estava cansada daquele casamento.

Passou pelo porteiro do prédio, sem sequer vê-lo. Ao bater o portão, olhou pra um lado, olhou para o outro e teve a sensação de que tinha que andar, tinha que sair por aí, esfriar a cabeça.

Caminhou até a rua mais movimentada, onde decidiu tomar um táxi. Sabia onde gostaria de estar. Deu ao taxista apenas o nome do bairro, pois não sabia seu endereço.

Ao chegarem, o motorista perguntou a ela: "para onde vamos?" Ela simplesmente não sabia. Mas decidiu que aquela viagem não teria retorno.

Ligou pra ele e aguardou ansiosamente que ele a atendesse. "Oi, estou aqui por perto, posso passar na sua casa?" Surpreso, ele disse que sim. "Mas eu não tenho seu endereço. Pode passar pra mim?"

Em cinco minutos, ela estava em pé na porta do seu apartamento, esperando por ele. "Posso dormir aqui?"

Notadamente, ele estava sem jeito por apresentar a ela uma casa displicentemente arrumada. Parecia que ele não tinha apreço por aquele lugar. Ela entrou, caminhou por todos os cômodos acompanhada por ele, mas não reparou nos detalhes, apenas procurou senti-lo ali, percebê-lo o mais em praticamente possível.

"Vejo que você estava escrevendo. Pode continuar. Eu só preciso de um cantinho para dormir".

"Estava sim. Mas você não quer conversar um pouco?" "Não, estou muito triste, preciso de um canto para dormir um pouco, posso?" "Pode, dorme na minha cama, eu vou varar a madrugada escrevendo, se isso não te incomoda".

Ela então tirou os sapatos, os brincos, os anéis, a calça jeans, ficando apenas de camiseta. Foi até a sala, e pediu a ele apenas um favor, tinha medo dos cachorros. "Você teria como manter os cachorros longe do quarto, eu tenho medo deles?"

"Claro, claro, eles não vão te incomodar. Pode dormir tranquila, eu vou ficar por aqui".

Assim que ela se deitou, ele encostou a porta e voltou ao trabalho. Ainda pôde ouvi-la chorando baixinho. Não sabia muito bem como agir, nem como tratá-la, nem o que fazer para agradá-la.





Embarcou novamente no trabalho, desconectando-se daquele problema, mas, de tempos em tempos, a imagem dela voltava a sua mente. No meio da noite, resolveu checar se ela estava bem. Foi até o quarto, abriu a porta que estava entreaberta, e sem acender a luz, caminhou em direção da cama.




Subitamente, ele decidiu que não ia apenas olhar pra ela. Deitou-se ao seu lado. Num impulso, passou a mão por seus cabelos desalinhados, como se pudesse tirar dela todo o sofrimento que ele sabia que ela sentia. A vida inteira, desde que se conheceram, sempre foram muito próximos, e ele sabia o que ela sentia, sabia o tamanho daquele vazio.

Ao tocar nela, ela acordou, mas não fez nenhum movimento, sequer abriu os olhos; ficou ali, sentindo o prazer daquele toque, um toque que há muito tempo ela não tinha. Relaxou o corpo. Percebendo que a tinha agradado, ele aproximou seu corpo do dela, encaixou-se em concha, passando o braço por sobre os seus seios. Encostou seu rosto no rosto dela e ficou em silêncio, sentindo a sua respiração. Ela estava onde sempre quisera estar, nos braços dele.





Ela sabia que qualquer movimento poderia afastá-lo. E por isso, decidiu apenas ficar ali, na segurança daquele abraço. Passaram alguns minutos abraçados, e ele também começou a sentir uma paz, uma
tranquilidade, uma plenitude... Mas tinha medo. Um movimento em falso poderia pôr a perder uma amizade de uma vida inteira.

Eles finalmente dormiram. Quando amanheceu, deram-se em conta que haviam dormido abraçados. Com sua voz grave, ele disse em seu ouvido: "bom dia, moça, dormiu bem?" Percebeu então que seu braço estava adormecido. Ela finalmente virou-se para ele, e depois de abrir um sorriso, o beijou delicadamente. "Esse é o jeito que eu tenho pra te agradecer por ter me deixado dormir aqui. Muito obrigada".

Ele resolveu retribuir o beijo. Deu um, mais um, e mais um. Ela, que já tinha achado que não havia intimidade maior do que dormirem juntos, resolveu finalmente que era tempo de ser feliz, entregando-se a ele. Naquela manhã, ela se sentiu plenamente feliz. E ele também.





E aquela casa desarrumada, de repente passou a fazer sentido. E com a presença dela, ele passou a ter vontade de arrumar aquela casa, enfeita-la, encher de flores, perfumes, odores, essências, matizes, temperos...


Ela veio por uma noite, depois mais uma, e mais outra, e encheu a vida dele de sentido. O que era bom quando eram apenas amigos, ficou mais consistente, mas não ganhou nome, para não estragar. Porque o que importa para os dois é estarem felizes...

domingo, fevereiro 22, 2015

Sobre shows e musicais que deveríamos ver...

Elis, Cazuza, Adriana, Cássia


Recentemente, assisti o musical Cazuza, depois o documentário da Cássia, e em seguida, o musical sobre a Elis. Nesta sequência. Foi um resgate. De músicas, memórias pessoais, história do Brasil. E um aprendizado.

Teve coisa que fez muito sentido.

Ainda vi o show da Adriana em meio a dor de uma quase perda, que virou perda uma semana depois. E ela estava tão linda, foi tão profissional e atenciosa com seu público. 


Minhas lembranças das letras das músicas me surpreenderam.


Essas pessoas são incríveis, poetas maravilhosos, letristas fantásticos, arranjadores... Cada um a sua maneira. A gente tem tanta gente boa entre nós. E ainda tenho amigos que dizem não gostar de MPB. Como um povo pode se expressar senão através de sua música?!


Que bom que eles existem/existiram, e souberam expressar na música suas dores, amores, alegrias e paixões. Quem pode/pôde usufruir de tudo isso somos/fomos nós...



terça-feira, fevereiro 03, 2015

Acerto de contas





É inverno no hemisfério sul. São seis horas da tarde de um dia seco na serra. O ambiente sugere uma casa isolada no meio do nada, ligada a uma estrada principal por uma vicinal bem pequena. Um carro se aproxima da casa lentamente, levantando poeira, trazendo dois ocupantes.

Dentro deles, Flávio e sua mãe, Edna, pouco conversam. Ele está atento ao caminho enquanto ela observa a paisagem e se alegra ao ver o pequeno chalé de cinco cômodos.

Flávio, operador da Bolsa de Valores de SP, um homem maduro, com idade entre 45 e 50 anos, quer chegar logo a casa e fazer o que tem que ser feito o mais rápido possível. Está claramente desconfortável por ter sido escalado pela mãe para esta missão. Afinal, podia ter sido o irmão.

Edna, professora aposentada, com idade entre 65 e 70 anos, anseia por rever a casa em que foi tão feliz por tanto tempo com Fábio, comandante, aviador, morto na década de 80, na “flor da idade”.

Quando Flávio para o carro, Edna corre para abrir a porta principal e entra na casa, esquecendo mala, bolsas, e mantimentos para trás. Pacientemente, Flávio segura o que consegue carregar e entra em seguida.

EDNA
Me deixa abrir as janelas porque esta casa está com cheiro de mofo. Flávio, Flávio, chega aqui. Vem ver isso.

(Edna fica imobilizada olhando uma gigantesca teia de aranha no canto do quarto)

FLÁVIO
O que é, mãe? Peraí, estou carregado. Esqueceu que deixou tudo para trás?

(Balançando a cabeça, com ar de reprovação, já um pouco impaciente)

EDNA
Ô, meu filho, deixa eu te ajudar (aproxima-se de Flávio para segurar algumas bolsas e depois, leva duas delas para o seu quarto)

FLÁVIO
(Pega um bloco dentro da sua bolsa de couro e começa o inventário de itens a consertar)

A lareira está entupida, precisando de uma limpeza... as dobradiças das janelas... o estofamento do sofá... o assoalho, está meio estofado... há uma goteira aqui... ih, mãe, acho que essa reforma vai dar pano pra manga (gritando para ela)

EDNA
Eu sei, meu filho, mas mãe ainda tem algum dinheiro guardado, vai dar para reformar uma parte. Vou passar um café... quer café, meu filho?

FLÁVIO
Quero, mãe, vai ajeitando tudo aí, enquanto eu continuo checando as coisas... (esfrega uma mão na outra, puxa a gola da camisa pra cima, fecha um pouco o casaco) Nossa, como está frio! Diz aí, mãe, quanto está marcando o termômetro aí na cozinha?

EDNA
(Checando a temperatura no termômetro, como ordenou o filho)

9 graus, meu filho, 9 graus. Está frio à beça. Se continuar caindo, vamos congelar...

(olhando pela janela melancolicamente)
A grama também está precisando ser aparada, meu filho. Será que aquele cortador de grama ainda funciona?

FLÁVIO
(Aproximando-se da cozinha e encostando no espaldar da porta que a separa da sala)
Vamos ver, minha mãe, vamos ver... uma coisa de cada vez.


Faz-se então um silêncio, enquanto Edna arruma o bule e o coador no qual passará o café fresco. Pega duas canecas. Flávio observa a mãe. De repente, em moto contínuo, abre a bolsa de couro e pega um maço de cigarros. Puxa um e o acende cuidadosamente, evitando o vento frio que entra pela janela.

FLÁVIO
(Provocando a mãe)

Quer que eu acenda um pra você, mãe?

EDNA
(Irritada e nervosa, olhando para ele por cima do ombro)
Você está cansado de saber que eu parei de fumar há mais de 20 anos. Para de me ‘tentar, menino.

FLÁVIO
(Dando de ombros, com uma risadinha no canto da boca)

Não está mais aqui quem perguntou...

(Virando-se de costas para ela)


Faz-se outra pausa. Edna então suspira como se fosse fazer a Flávio a pergunta mais difícil...

EDNA
(Hesitante, mas firme e inquiridora, servindo o café ao filho)

Flávio, me diga, como você foi capaz de permitir que Lúcia o deixasse, meu filho? Ela era uma boa mulher, excelente dona de casa, gostava tanto de você...

FLÁVIO
(Surpreso)

Hã? Eu ouvi direito?

EDNA
Ouviu sim, meu filho, como você deixou que ela saísse de casa? O que você fez, afinal?

FLÁVIO
(Bufando agitado)

Você não acha que está se metendo demais na minha vida, mãe? O que a senhora tem a ver com isso?

EDNA
(Com um ar hipócrita de boazinha)
Tudo, Flávio, eu também gostava dela e gostava de ver vocês dois juntos.

FLÁVIO
(Dando uma baforada comprida no cigarro)


Engraçado, mãe, você nunca se importou. Nunca olhou pro seu filho do meio. Eu sempre fui o enjeitado, o largado, o abandonado da família. Tudo me acontecia e você nem reparava... (suspiro) por que o interesse agora?

EDNA
(Contrariada)

Não é verdade, meu filho, eu sempre olhei por você e seus irmãos. É que eu sempre trabalhei muito, muito. Tinha que dar de comer pra vocês quando o seu pai saiu de casa e depois, quando ele morreu. Não desdenhe da minha luta, não faça por menos...

FLÁVIO
(Respirando fundo e balançando a cabeça, negando a fala da mãe)

Mãe, você nunca ligou pra mim e pro Mário. Só o Zeca, que nasceu temporão, merecia receber sua atenção. Eu e Mário fomos criados a própria sorte. Você está cansada de saber isso.

EDNA
Que injustiça!

(Pausa, Flávio dá uma longa tragada no cigarro e acende outro no que já está fumando, antes que este acabe)

FLÁVIO
(Sério e grave)

Não é, não, mãe. Você sabe que não é. Quando eu me cortei todo naquela cerca de arame farpado no sitio do Juca e precisei de várias suturas, você não ficou nem sabendo. Estava na cama com o seu comandante Fábio. Como sempre.

(Pausa, Flávio recomeça)

Quando caí dentro do rio e quase me afoguei, quem salvou a minha vida foi o Mário e o Tio Carlos. Quando o bode me acertou em cheio na perna, você estava com quem? Com papai, pra variar.

(Pausa, Flávio dá mais um trago e emenda)

Quando caí daquela árvore, aquela araucária graúda, lembra?, você estava transando com o Fábio. Você estava sempre com o papai, vocês se trancavam e ficavam horas incomunicáveis, resolviam tudo na cama... Você...VOCÊ SÓ TINHA OLHOS PRO PAPAI!!!

EDNA
(Contrariada com a intromissão do filho mimado)


O que VOCÊ tem com isso? Era a minha vida, eu era a mulher dele. Ele era muito fogoso, você sabe disso. Gostava de sexo, e eu gostava também. Eu amei muito o seu pai. Foi por isso que seu casamento acabou? Falta de fogo?

FLÁVIO
(Bem alterado, olhos injetados de raiva, espalhando fumaça pra todos os lados)

Não é da sua conta! Nunca foi. Eu sempre fui criado sem mãe. Quer saber mais?

(Pausa, mais um trago longo)
Quando me pegaram fumando maconha com os amigos, você me deixou uma noite preso. Quando levei o primeiro fora da Aninha, você não estava lá para enxugar minhas lágrimas. Você acha que eu gostava?

(Flávio dá uma caminhada em volta da mesa da cozinha e se aproxima da mãe, falando em seu ouvido, intimidando-a)

Quando reprovei no Vestibular, nada... quando muito uma reprovação, uma bronca. Você e papai não estavam nem aí. Mário era o único que olhava por mim.

(Volta-se para a sua cadeira e senta, fitando-a nos olhos, apagando o cigarro na caneca, só para irritar a mãe)

Eu não suportei perder o Mário. Não suportei vê-lo morto naquele acidente de avião. Tudo por culpa do papai, do TEU Fábio, que tinha sempre que se exibir ao pilotar... Só mais uma manobra arriscada, só mais uma... e deixava todo mundo nervoso. Naquele dia, não conseguiu reverter e pronto... morreram os dois. E eu, fiquei duplamente órfão, porque você morreu pra vida também!

(Pausa, Flávio retoma seu ar sarcástico e irônico e continua...)

E agora estamos nós aqui planejando a reforma do teu chalé. Você é louca, mamãe. A Lúcia foi embora porque quis. Pronto. Assunto encerrado. Satisfeita?


Faz-se outro longo silêncio. Edna enxuga as lágrimas. Flávio acende outro cigarro. Observa a fumaça, satisfeito com o despejo de verdades sobre a mãe.


EDNA
(com a voz embargada)

É, Flávio, tua mãe é louca. Uma louca que sempre foi apaixonada pelo marido, acima de tudo. Uma louca que morreu pra vida. Uma louca que acorda dia sim, dia não, pensando em como sobreviver sem o meu comandante. Sou louca.

Você é meu filho largado, enjeitado, o abandonado da família, como você diz. Se é assim que você sente...

Mas, eu, Flávio, eu sempre te amei.

Apesar disso, QUER VOCÊ QUEIRA , QUER NÃO, SOU A PUTA QUE TE PARIU!



--- FADE OUT ---

sexta-feira, novembro 21, 2014

Um alô da Rebecca

Oi, pessoal,

Fiquei muito tempo sem ter coragem para escrever neste blog. Há momentos na vida da gente em que a ficção se confunde muito com a realidade, ou melhor, a realidade torna-se tão dura que não há coração puro que se permita sonhar e imaginar histórias... principalmente, histórias que encantam os outros.

A Bia, da outra história, acordou, mas ficou catatônica, com o olhar perdido, enquanto Marco lutava desesperadamente para ajudá-la, tendo que lidar com a impotência e a dor de se perceber amando alguém que não pode corresponder a esse amor porque não consegue responder à vida.

Eu estava mais ou menos assim nesse período, achando que a vida tinha parado, que estava tudo muito ruim. Ruim no trabalho, ruim em casa, ruim comigo mesma.

Parei um processo terapêutico de cinco anos. Nem aquilo para mim estava progredindo. Fiquei desiludida com os rumos que o meu país estava tomando. Não, não sou militante, nem de direita, nem de esquerda. Mas, achei o processo eleitoral terrível, a desconstrução de algo que eu considero tão caro, que é a reputação das pessoas.

Mas, em tempos de internet, quem precisa de reputação?

Depois, cheguei a conclusão de quem ninguém mais lê blog. Ou pelo menos, ninguém mais lê esse blog aqui.

Então, resolvi dar um tempo. Marco e Bia estão lutando pelo amor deles. Eu ainda acredito que um dia, vou viver um grande amor. E terei um coração transbordante de paixão que voltará a se inspirar e escrever por aqui.

Valeu.

R.

sábado, julho 19, 2014

Amor, estranho amor - parte 9

todo dia, uma esperança...


À medida que ia ao Souza Aguiar visitar a Bia na UTI, Marco familiarizava-se com rostos e expressões dos enfermeiros e médicos daquele lugar. Um deles ficou especialmente cativado com o amor de Marco. Era uma enfermeira e se chamava Marisa.

Toda vez que Marisa estava de plantão, e Marco passava lá para ver a Bia, ela dava um jeito de espiar pela porta, enquanto ele parecia rezar, e nunca saia do quarto sem antes arrumar seus cabelos.

Conversava com os médicos, perguntava porque Bia não tinha acordado ainda, agarrava-se a qualquer fio de esperança que pudessem lhe dar. Marco era maduro, já tinha vivido muita coisa nesta vida, mas não sabia como lidar com aquela impotência que lhe deixava um gosto amargo na boca.

Marisa sempre lhe dava atenção e buscava tranquilizá-lo, dizendo-lhe que seria uma tortura breve, que logo Bia estaria acordada ao seu lado. Marco já pensava em pedí-la em casamento, tudo havia mudado depois daquele acidente. Não queria mais viver longe dela, tinha a sensação de que haviam sido feitos um para o outro, que deveriam cuidar um do outro por toda a vida...

Um dia, encheu-se de coragem e pediu a Marisa que anotasse seu telefone. Podia ligar a hora que fosse para avisá-lo de qualquer mudança no estado de Bia. Queria ser avisado em primeira mão, e não pelo médico do hospital, que entre telefonar para um amigo, quase namorado, optaria por avisar a família.

Um dia, depois de negociações e reuniões estressantes, Marco estava mais uma vez divagando em seus pensamentos, com o olhar perdido naquela paisagem da janela do escritório, quando recebeu uma ligação:

- Boa noite, é o Marco? É Marisa... Ela acordou.


Continua na parte 10.

sexta-feira, julho 18, 2014

Amor, estranho amor - parte 8

Depois de muito rodar aquele centro da cidade, Marco atinou que Bia poderia ter sido levada para o Souza Aguiar. Lá, confirmou o que imaginava: o acidente foi muito mais grave para o motorista do taxi do que para ela.

No entanto, ela estava em coma induzido. Tinha batido a cabeça várias vezes por dentro, na lateral do carro, enquanto ele rodava e os médicos temiam algo mais grave. Marco então decidiu que esperaria que Bia acordasse.

Ele esperou. Duas semanas. Bia não acordava.

Foi o pior tempo do mundo para Marco. Vivia uma agonia, com uma sensação de impotência. Nada a fazia acordar, parecia que ela queria continuar dormindo. Os médicos foram diminuindo a sedação e nada...

Ele já não trabalhava direito, parava no meio do dia, olhava perdido pela janela aquela vista que lhe fazia tão bem em outras épocas.

A vista da minha janela já não me acalmava mais...


Bia precisava retomar sua vida. Ele também. Esperaria a vida toda por aquela mulher, mas de repente, uma pergunta começou a lhe incomodar:

"E se ela não acordasse..?"



Continua na parte 9.

Música: Say something - A Great Big World ft. Christina Aguilera
Say something by A Great Big World Ft. Christina Aguilera on Grooveshark

segunda-feira, junho 02, 2014

Namora comigo?

Namora comigo
Paulinho Moska


Hoje eu estou sozinho
Você está na minha
Não adianta se esconder
Já não tem mais jeito
Tudo está perfeito
Agora é só eu e você
Juntos na mesma estrada
Atravessando a madrugada
Pra ver o sol nascer
E em nossa aurora perceber
A delícia de viver
Tudo que a gente sempre quis
Olhar nos olhos de alguém
E conseguir dizer:
Estou feliz
Fica comigo
Namora comigo
Casa comigo
Viva comigo até o fim
Eu sou seu abrigo
Não tem mais perigo
Fica comigo
Namora comigo até o fim

domingo, junho 01, 2014

Amor, estranho amor - parte 7

Não queria, nem podia perdê-la, não agora.

Enquanto o carro rodava, ela ouvia uma voz ao longe chamando por ela. Era Marco, ao telefone, chamando Bia, Bia, Bia... Isso de alguma forma a mantinha viva, alerta, ciente da vontade de estar de novo nos braços daquele homem.

Só lembrou que estava sem o cinto. Agarrou o celular com força, que caíra entre suas pernas, e contraiu o corpo, escondendo a cabeça entre os joelhos. Esperou pela pancada, o sacolejo, a batida, o barulho final... Sabia que não queria morrer, não agora...

Do outro lado do telefone, Marco sentia pela primeira vez o desespero da perda. Não queria, nem podia perdê-la, não agora. Sentia-se um tanto ridículo e egoísta por pensar assim, mas queria aquela mulher na sua cama, queria tudo que ela podia lhe proporcionar, o prazer de estar com ela, sentir sua pele, a respiração, os pêlos, ainda não era amor, mas se era possível dar um nome pra aquilo tudo, era paixão, com certeza. Uma paixão muito louca... E a possibilidade da perda e a impotência causada por não saber onde ela estava e por não poder protege-la, ouvindo o acidente acontecer, causava em Marco uma angústia...

Bia sentiu o carro rodar uma vez, depois mais uma... E mais uma. Até encontrar o poste. De repente, ficou tudo escuro.

Ao ouvir o barulho, Marco desligou o telefone, pegou as chaves do carro e saiu.


Continua na parte 8.

domingo, maio 25, 2014

Amor, estranho amor - parte 6

Saudade dele...


Passou dias pensando nele. E nela. E neles juntos. Morreu de saudades. Queria vê-lo, queria saber dele, observar seus movimentos... Ao invés disso, optou por um distanciamento seguro. Não quis voltar a vê-lo como se nada houvesse acontecido.

Enquanto isso, ensaiou textos de despedida. Pensou em como poria os "pingos nos is". Precisava ouvir algo dele que desse significado ao que sentia.

Viu que ele ligou, uma, duas, três, ..., dez vezes. Ela não atendeu a nenhuma das chamadas. Ele parou de ligar. Orgulhoso, ela pensou, não ligaria mais. Então, o movimento tinha que vir dela.

Pois, depois de quinze dias sumida, sem dar notícias, ela resolveu ligar enquanto rumava de táxi de seu  escritório para outra base da empresa. Era um trajeto bem curto. Entrou no carro, avisou ao motorista que era um trajeto curto, combinaram o melhor caminho e partiram. Ela se ajeitou no banco e pegou no celular para falar com Marco. Bia estava bonita, era dia de reunião. Sentia que ele quase podia vê-la.

Respirou fundo, enquanto esperava que Marco a atendesse. Ele atendeu. E já foi resmungando...
Pôxa, por onde é que você andou todo esse tempo? Fiquei preocupado, sabia?

Ela esboçou um sorriso e puxou papo. Mas, não deu tempo. Viu o carro que vinha na outra pista dirigir-se na direção deles sem nenhum controle. Soltou o telefone, que caiu em seu colo, e gritou pro motorista: Cuidado, moço. E contraiu o corpo, procurando proteger-se, já que tinha o péssimo hábito de não colocar o cinto quando viajava no banco de trás.

Marco ouviu o grito. Segundos depois, ouviu também o tranco, a batida. E ficou chamando por Bia. Nenhuma resposta. O carro rodara diversas vezes e acabara no poste. Ninguém estava acordado para responder qualquer coisa.



Continua na parte 7.


domingo, maio 18, 2014

Amor, estranho amor - parte 5


Falar com ela ao final da tarde era rotina


Depois daquela tarde, de pernas e cheiros entrelaçados, de amores roubados, de ausência de promessas e declarações de amor, só corpo, só sexo, só o lado animal ali presente, Marco e Bia ficaram mais próximos um do outro. E também mais distantes.

Falavam-se todos os dias, compartilhavam acontecimentos rotineiros, trocavam confidências e segredos, abriam um para o outro seus ideais como se fossem parceiros de um crime que seria cometido em breve. Ou de um plano muito bem arquitetado.

No entanto, como se aquilo que viveram tivesse sido muito mais forte do que podiam suportar, não tocaram mais no assunto. Ainda avaliavam, cada um a sua maneira, se o custo de mudança seria mesmo bem maior do que o custo de oportunidade. Queriam repetir a dose, mas tinham medo das consequências.

O fato é que a dúvida que cultivavam os mantinha próximos, mas não o suficiente para torná-los amantes. Cúmplices, sim, mas não amantes.

De vez em quando, Bia se via perdida em seus pensamentos repassando aquela tarde saborosa, em que se sentiu amada como nunca, desejada como nunca, viva, finalmente! Estava nos braços do homem que queria, do seu homem! Não sabia como voltar àquele ponto. Tinha perdido o timming? Não acreditava! Mas, não sabia qual era o caminho para o coração de Marco.

Todas as tardes, enquanto dirigia para casa, Marco cumpria o ritual de ligar para Bia e saber como tinha sido o seu dia. Ouvir a voz daquela mulher, doce, o chamando de "meu amor", o fazia retornar àquela tarde, em que havia sido o melhor homem que uma mulher pode ter na cama. Ele sabia disso, ela sabia disso. Tinha medo de causar expectativas na Bia, sabia que ela tinha muito o que mudar na sua vida e não queria ele ser responsável por tanta mudança. E o pior de tudo, ele estava satisfeito com a vida que levava, não queria mudar nada, quando muito, ter com a Bia várias tardes como aquela. E seguia o caminho perguntando a si mesmo se estava sendo egoísta ou mesquinho... ou ainda, omisso.

Até que um dia, Bia não atendeu o telefone... e não retornou. E também não atendeu no dia seguinte...

Continua na parte 6.

Mia Couto


são só meninos...




De que vale ter voz
se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei?
Mia Couto


No conto "O menino que escrevia versos"
Foto de Emmanuel Museruaka



quinta-feira, maio 08, 2014

Aniversários

Hoje é dia do aniversário de meu pai e de um amigo muito querido. Para eles, deixo aqui três imagens, do entardecer visto da minha janela.

Um dia de paz para vocês, meus amores!

Que o sol sempre volte a brilhar para vocês!

Que ilumine os seus caminhos, como obra de Deus...

Que pinte de beleza o céu das suas vidas!

Amo vocês! Beijos



Una basura esperta


Estive na Argentina mês passado e uma das coisas que mais me impressionou foi a lata de lixo. Imaginar uma cidade que recolhe seu lixo sem precisar de caminhões é realmente um luxo!

Latas de lixo (ou seriam coletores?) inteligentes

Tirei uma foto para mostrar a simplicidade. Três coletores colocados lado a lado, numa rua estreita, onde não passaria um caminhão, em pleno centro da cidade. O detalhe: à medida que elas enchem, um sistema movido a ar comprimido suga o lixo por meio de dutos ligados a uma central. Não há contato humano com o que fica ali depositado.

É ou não é um sistema inteligente? Um amigo inovador ainda pensou na possibilidade de haver um outro duto adicional ligado a este, em toda a extensão do trajeto, coletando o gás metano gerado pela decomposição do lixo e devolvendo este gás para a rede de abastecimento da cidade. Acho que ia ser show de bola!

Não há dificuldade nas coisas, o que há é falta de vontade política.


Infelizmente!



quarta-feira, maio 07, 2014

terça-feira, maio 06, 2014

Simplesmente Ana


Acreditei que se amasse de novo
esqueceria outros
pelo menos três ou quatro rostos que amei...
organizei a memória em alfabetos
como quem conta carneiros e amansa
no entanto flanco aberto não esqueço
e amo em ti os outros rostos.

Ana Cristina Cesar


segunda-feira, maio 05, 2014

Mas é claro que o sol vai voltar amanhã...

Um novo sol, de um novo tempo...


Haviam se passado cinco meses. Cinco longos meses sem vê-lo. A lua estava diferente. Os dias estavam diferentes. No início, tudo parecia meio nublado, mas agora, o sol voltava a dar a sua cara e iluminava as manhãs outonais de modo especial.

De repente, um convite dele. E uma recusa dela. Um novo convite. E ela, respondeu com um "talvez, quem sabe".

Queria o quê ele agora? Queria a oportunidade de encenar a cena derradeira, na qual ele olharia para ela compadecido de tamanho amor não correspondido? Queria palco para ser novamente aplaudido pela sua "fã de carteirinha"? Ou então queria um tempo com ela para olhar em seus olhos e enxergar o tamanho da sua perda?

Sim, ele perdeu talvez aquela que tenha sido a sua maior amiga... sua companheira de jornada....

Ela, uma criatura indomável, que não aceitava cabresto de pai, mãe, namorado, marido, e que tinha escolhido ser dele, deixar-se domar por ele, estava agora recusando seus convites, seus chamados. Mudara de ideia. Não queria mais. Estava feliz e liberta sem a sombra daquele amor em sua vida. Tinha resolvido viver e sentir tudo de uma só vez, intensamente, e finalmente, percebera o quão ilusório era aquele amor. Havia optado por amar a si mesma. Corria leve pelos campos, ciente de sua força, capaz de mover montanhas e impulsionar o mundo... Corria leve, solta e feliz...

Por que então voltaria ao cárcere de livre e espontânea vontade? Não, não tinha porquê. O tempo de sombras e dúvidas havia passado. Só ele, o amor tão Barba Azul, não percebera. De todas as suas maldades, mantê-la à sua disposição sem lhe oferecer nada em troca foi a pior. Ela, que sempre quis tão pouco.

Mas, muito é muito pouco quando se trata de amor. E ela estava agora em busca de amor. Não seria uma migalha o suficiente para trazê-la de volta.

Por isso, um "talvez, quem sabe", com uma profunda certeza de "jamais"...