sábado, abril 18, 2009

O jogo [16]

CIÚME. "Sentimento que nasce no amor e que é produzido pelo temor de que a pessoa amada prefira um outro".
(Littré. In: Barthes, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso)


Sem saber o que fazer com o que pensa estar sentindo, ela saiu cedo, depois de uma noite insone e foi caminhar no Jardim Botânico, para gastar suas energias e se preparar para a visita da tarde.

Lá pela hora do almoço, parou no Belmonte para tomar um chopp e encontrou uns amigos, com quem trocou umas idéias e depois continuou a pé até em casa, pensando no que ia falar para ele quando chegasse.

Passou no supermercado para comprar legumes e um pé de alface para preparar uma boa salada e ainda se lembrou que faltava café. A independência conquistada quando ela saiu da casa de seus pais, em Ribeirão Preto, requer que ela se preocupe com estas coisas. Cecília não é o tipo de pessoa que providencia comida, apesar do seu instinto maternal e de seus quilinhos a mais. Se depender dela, bastam os ímãs de geladeira com os telefones de todos os restaurantes do bairro, para encomendar junk food, com certeza.

Tomou um bom banho e fechou a porta do quarto, para tentar relaxar um pouco, uns quinze minutos talvez. Ainda ouviu Cecília chegar da rua, antes de pegar no sono. Dormiu por uma hora e quando já eram quase três horas, levantou-se para preparar a salada e uma carne grelhada. Havia aprendido a cuidar de si mesma e tentava retribuir os cuidados de Cecília, cuidando dela.

Depois do almoço, resolveu que faltava um bom vinho para servir para ele e resolveu comprar um. Avisou a Cecília que ele estava para chegar e disse que daria um pulo rápido na pequena enoteca da quadra em que morava para comprar algo para aquela ocasião e tentar desfazer o mal entendido. Cecília grunhiu alguma coisa e ela saiu.

Na volta, notou seu carro estacionado na porta do prédio e subiu correndo as escadas. Quando entrou em casa, ele estava sentado num banquinho junto à mesa da cozinha, enquanto Cecília passava um café e falava sem parar. Ele fumava um cigarro e parecia apreciar a conversa. Ela teve medo dele já estar ali há muito tempo.

- "Oi, você já chegou?", ela disse sem graça.

- "Oi", ele se levantou e andou em sua direção. Quando ia lhe dar um beijo na boca, ela ofereceu a face, meio desconcertada com a presença de Cecília. Ele estranhou, mas optou pelos dois beijos tradicionais. Falaria sobre isso com ela mais tarde, quando estivessem a sós.

- "Eu fui buscar algo para nós dois, mas vamos ao café primeiro", ela emendou, motrando a garrafa de vinho e pensando que tudo que ela queria era que Cecília desse um jeito de desaparecer. Mas, ela sabia que a amiga não faria isso.

- "Mas, então, como eu ia te dizendo, desde que viemos de Ribeirão Preto para fazer o Mestrado estamos morando juntas. Eu estou me especializando em Biologia Marinha e já estou quase acabando os créditos. Nunca pensei que fazer Mestrado fosse tão cansativo e... blá blá blá...", contou Cecília, toda empolgada... "E você, além do Mestrado, o que você faz?", perguntou a ele, esperando uma resposta firme.

- "Por enquanto, leciono. Estou querendo ficar na área acadêmica. É o que eu curto fazer, apesar de saber que só dá retorno se você trabalhar muito. Eu estou com alguns contatos para dar aula em São Gonçalo e em Niterói, mas ainda estou avaliando... não sei se você sabe, mas eu moro em Jacarepaguá", ele respondeu.

(Ela assistia aquela cena da porta da cozinha, como se fosse mera expectadora... olhou para Cecília com um olhar condenador e, ao mesmo tempo, suplicante, daqueles que pendem "Desaparece, por favor!")

Cecília então deu um jeito de dizer que tinha muita coisa para estudar e, finalmente, resolveu deixar os dois sozinhos.

-"E aí, está bom o café?", ela perguntou.

- "Vamos conversar agora?", ele disse.

- "Vamos, que tal a gente dar uma volta? Quando a gente voltar, eu prometo que abro o vinho que eu comprei".

- " 'Tá bom, vamos. Eu estou de carro".
- "Não, vamos caminhar. Andar faz bem".

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