quarta-feira, abril 22, 2009

O jogo [21]

Ela acorda toda desgrenhada, com os cachos ruivos em seus olhos e começa a pentear o cabelo com os dedos. É muito bom para ser verdade estar ali, com ele. Vê o movimento dele da cozinha para a sala, da sala para a cozinha, preparando um café e arrumando a mesa. Está com um rosto feliz, está radiante, e ela não quer perder este momento. Nem se mexe. Fica ali quietinha, apreciando tudo, para guardar na memória.

Começa a achar que ficarem juntos é algo possível. São as melhores férias da sua vida. Tanto para estudar e tudo acumulado ao lado da sua cabeceira. Ela só quer saber de viver este amor.

De repente, ele vai até o quarto e volta com um livro nas mãos. Olha para ela e pergunta:
- "Você não quer tomar um café comigo?"

- "Quero, claro! Que é que você tem aí? Que livro é esse?", ela está curiosa.

- "Ah, esta é uma de minhas poetizas favoritas. Seu nome é Ana Cristina César, conhece?"

Ela faz que não com a cabeça e pergunta a ele se ele não quer ler um trecho. Ele diz que sim e começa a leitura, olhando firme pros olhos dela.

2.10.71
Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.
Eu queria rir, chorar,
ou pelo menos sorrir
com a mesma leveza com que
os ares me beijavam.
Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça,
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando.

Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam, invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.

Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.

Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.

Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio.

Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las.

Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.

Ana Cristina César


Conta para ela quem foi Ana C. Ela sabe que estar com ele é ter sempre alguma coisa para aprender. Mas desconhece completamente esse seu lado sensível, afetuoso, romântico até.

As férias acabam e os dois estão se vendo, se curtindo intensamente, e ela também se esforça para ter algo a dizer a ele, para mostrar para ele quem ela é (ah, é uma tola completa!).

Entre um encontro e outro, eles pouco se falam. Ele não conta o que acontece na sua vida quando não está com ela e ela também não pergunta. Mas, o pior é que ele não pergunta a ela o que acontece em sua vida quando não está com ele. E isso dói.

No entanto, ela está feliz. Feliz como nunca. Mas guarda para ela o desejo de dizer que o ama.

Um comentário:

Lady Shady disse...

A gente empre quer tnto, né? A gente sempre quer tudo...
E a gente merece, hehehe