sábado, abril 25, 2009

O jogo [24]

Com o tempo, e com o pouco espaço para assunto que ela dava a ele, eles foram se distanciando e seguindo cada um o seu caminho.

Às vezes, nas poucas aulas que faziam juntos, ela se pegava olhando para ele e pensando no que teria acontecido à sua vida junto a Rosana. Nunca perguntou sobre o bebê que estava a caminho, nem se a família estava bem, muito menos como estava o casamento com a Rosana. Simplesmente não queria saber.

Ele parecia ter pressa em terminar o Mestrado. Começou a fazer mais disciplinas que todos os outros e, de repente, já estava trabalhando no projeto de pesquisa. Tanto fez, que acabou em um ano e meio, coisa rara. Ela sentia pena de não estar junto dele, mas sabia que a vida devia continuar. "The show must go on", cantava seu cantor favorito. Ela queria ser racional e estava sendo racional, pela primeira vez na vida.

Em pouco tempo, soube que ele havia começado o Doutorado, enquanto ela ainda penava com o seu orientador para definir o tema de sua dissertação. Logo estavam completamente ausentes um do outro, sem nenhuma notícia que os amparasse. Para ela, parecia que era o fim.

Encontrou com ele uma ou duas vezes no Departamento, mas não soube a data de sua defesa de tese, nem onde ele estava trabalhando, nem com quem. Não quis saber, não se interessou. Perdeu o contato.

(...)

Anos depois, já empregada em uma multinacional, foi encontrá-lo novamente em um seminário, no qual ela era palestrante. Estava representando sua empresa e falando de planejamento estratégico e jogos de negócio, assunto sobre o qual era especialista. Quando subiu ao palco e o viu na platéia, sentiu um leve desconforto e não conseguiu parar de olhar para ele.

Já havia vivido muitas histórias, tido outros amores, casado até, mas vê-lo na primeira fila, envelhecido, de cavanhaque grisalho, e olhando para ela, trouxe todo o passado de volta. Alguns sentimentos que ela julgava enterrados vieram à tona e ela engasgou umas duas vezes. Ele, como sempre, olhou para ela dando força e sorriu.

Depois da palestra, ele a procurou e, de novo, ela sentiu aquele desconforto. Como quando a gente encontra alguém na rua com quem a gente não quer falar e esta pessoa vem conversar como se nada houvesse acontecido, afetuoso, querendo retomar antigas relações... Eles conversaram sobre a vida...

- "Oi, que surpresa boa te ver aqui...", ele diz.

- "Oi, bom ver você também (mentira, era a última pessoa que eu queria ver...!)", ela responde com seu jeito sem graça de sempre.

- "O que você anda fazendo? Que legal que você está nesta empresa! A quanto tempo?", ele pergunta.

- "Há alguns anos. Logo depois que eu saí do Doutorado, meu orientador me apresentou a um alto executivo da empresa e eu fiz uma entrevista. Saber inglês contou muito, lembra como eu estudava...?", ela diz.

- "Lembro, lembro. Eu..."

- "Você está fazendo o quê?", ela o interrompe e pergunta.

- "Ah, toma aqui o meu cartão. Eu sou professor universitário. Estou dando aula em algumas universidades particulares, mas não é fácil conseguir trabalho. Eu estou sempre tentando cavar novos contatos..."

- "Ah... é difícil mesmo essa vida de professor, né? E, mudando de assunto, como estão suas crianças? São três, né?", ela pergunta, fingindo interesse...

- "São quatro. Eu casei de novo depois da Rosana. Ela ficou pouco tempo lá em casa. Estou com a minha quarta mulher. Acho que agora encontrei a pessoa certa, ela me compreende. Entende esta minha história cheia de filhos. Tenho duas meninas e dois meninos. E a Cecília, como vai?"

- "Vai bem. Tornou-se especialista em Biologia Marinha e conseguiu uma vaga no Projeto Tamar. Hoje, mora em Salvador, está casadíssima e feliz. Às vezes, nas minhas folgas, vou lá ficar com eles. Sou madrinha de um dos meninos... Bom, foi legal te reencontrar. A gente se fala... fica com o meu cartão também".

- "Eu te ligo, qualquer dia desses. Tchau".

Quando chegou ao escritório, fez questão de abrir sua bolsa, pegar o cartão dele lá dentro e cortá-lo em mil pedacinhos, para não correr nenhum, mas absolutamente nenhum, tipo de risco. Era muito tarde para qualquer recomeço, mesmo que este recomeço um dia fosse possível.

Um comentário:

Lady Shady disse...

Poxa...
Mas acontece, né?
Acontece...
E no final, como diz o poeta:

"E tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
bem mais e melhor que você..."